Passados 13 anos, uma das ações policiais mais violentas registradas no meio rural ainda deixa sequelas e sentimentos contrastantes para quem a vivenciou. Em 17 de abril de 1996, a Polícia Militar do Pará entrou em confronto com um grupo de 1,5 mil trabalhadores sem terra acampados no sul do estado. O objetivo era tirá-los do local e desobstruir a Rodovia PA-150, ocupada em um protesto do movimento contra a demora na desapropriação de terras para reforma agrária. Até hoje, ninguém foi efetivamente responsabilizado pela ação que resultou na morte de 19 militantes, centenas de feridos e que ficou conhecida como Massacre de Eldorado dos Carajás.

Dos 144 policiais que responderam a processos, 142 foram absolvidos e apenas dois condenados. Estes ainda estão em liberdade. São eles o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, condenados a mais de 100 anos de prisão. Um recurso está há alguns anos sob avaliação da ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Cerca de 90 policiais que participaram da ação foram, em setembro do ano passado, promovidos a cabo. O governador do estado à época, Almir Gabriel, o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, e o comandante-geral da Polícia Militar, Fabiano Lopes, não responderam judicialmente pela atuação policial. A ausência de responsabilização mais ampla gera o inconformismo dos movimentos sociais.

Impunidade?

“Infelizmente, a impunidade tem sido a marca principal da atuação da Justiça em relação aos crimes no campo no estado do Pará. O Massacre de Carajás é um exemplo típico. Desde que foi instaurado o processo criminal, houve dificuldades impostas pelo Estado no sentido de fazer uma investigação como deveria, para individualizar responsabilidades e levar aos autos as provas necessárias para a condenação de todos aqueles que participaram do massacre”, criticou o advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará, José Batista Afonso, que acompanhou a tramitação do caso na Justiça.

O desembargador aposentado Otávio Marcelino Maciel, atual ouvidor agrário do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), que chegou a ser juiz do caso no início do processo, não concorda que tenha havido impunidade. “Houve punição dos dois principais responsáveis, que poderiam ter evitado aquilo. Os demais foram absolvidos porque a responsabilidade era dos comandantes. A própria sociedade, por meio dos integrantes do Tribunal do Júri, assim entendeu”, argumentou Maciel.

Julgamento

A primeira sessão do Tribunal do Júri para julgamento dos réus em Belém ocorreu em agosto de 1999, quando três oficiais foram absolvidos. A sentença, entretanto, foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) em 2000, com a nomeação de nova juíza para o caso. O julgamento foi retomado em maio de 2002 e resultou, após cinco sessões, nas 142 absolvições e duas condenações. Em novembro de 2004, o TJ-PA ratificou a decisão. Contra ela foi ajuizado recurso no STJ.

O advogado da CPT alegou que a forma como foi feito o julgamento, com a situação de centenas de réus avaliada no mesmo momento, favoreceu a absolvição. “Ficou quase impossível para os jurados estabelecer a relação de responsabilidade de cada um daqueles que participaram. Mesmo que não pudesse ser individualizado, que pelo menos houvesse um número maior de seções e um número menor de acusados sentados no banco dos réus, para facilitar a análise das provas”, afirmou Batista Afonso.

O desembargador Maciel, entretanto, garante que um maior fracionamento não implicaria em resultado diferente do julgamento. “Não vejo nenhum motivo para que fosse fracionado mais o julgamento. Isso não procede, porque as provas analisadas em nada mudariam se fossem subdivididas.”

A demora na apreciação do recurso pelo STJ também revolta a CPT. “Mais uma vez, os únicos dois condenados são favorecidos pela morosidade da Justiça”, acrescentou o advogado. “Está na lei que réu primário com bons antecedentes pode recorrer em liberdade. O Judiciário só cumpre a lei”, ressaltou o desembargador Otávio Maciel.

Indenizações

Em abril de 2007, 22 famílias de sem-terra vítimas do massacre foram beneficiadas com pensões especiais e indenizações concedidas pela atual governadora do estado, Ana Júlia Carepa. Os valores são variáveis e levam em conta os danos específicos sofridos. Mas ainda há viúvas e pessoas mutiladas – algumas com balas alojadas no corpo, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – que não receberam indenização e nem acesso a tratamento.

Memória

O MST montou dois acampamentos esta semana no sul do Pará para relembrar o massacre e cobrar publicamente a responsabilização dos envolvidos na operação policial de 13 anos atrás. Desde o início do mês, foram realizadas mobilizações camponesas em oito estados e no Distrito Federal em memória dos 19 trabalhadores assassinados. O Dia Internacional da Luta dos Camponeses é lembrado nesta sexta-feira (17/04).


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Após 13 anos do Massacre de Carajás, movimentos ainda lutam por justiça