Berlim está sempre pegando fogo
“O que poderia ter possuído as pessoas para fundar uma cidade no meio de toda esta areia?” perguntou com desdém, no começo do século 19, o escritor francês Stendhal sobre a construção de Berlim. A resposta seria dada pelo líder soviético Vladimir Lênin no começo do século 20: “Quem controla Berlim, controla a Alemanha e quem controla a Alemanha controla a Europa”. Foi seguindo esse pensamento que a atual capital alemã foi dividida e disputada durante toda a Guerra Fria (anos 50-80) entre capitalistas e comunistas. E nesta terça-feira (09), faz 21 anos que o muro que dividia a cidade e as duas idelogias ruiu, se tornando um dos maiores acontecimentos do século. A grande cidade da Alemanha entra na maioridade ainda enlouquecida como uma adolescente.
Seguindo sua tradição – do final do século 19 e depois da década de 1920 – de um lugar para as novas ideias, sexualidades, comportamentos, aberta aos artistas e libertários do mundo, Berlim continuou esse papel quando cercada por um muro, o da Vergonha, construído em 1961. E ainda hoje, com a cidade e o país unificado, continua sendo abrigo de anarquistas e anti-conformistas.
“O maior espetáculo cultural que se pode imaginar” disse David Bowie, em pleno anos 70, quando ele e Iggy Pop adotaram a cidade cerceada como ideal de liberdade. Foi lá que se livraram do vício de drogas pesadas, produziram o álbum The Idiot e fizeram algumas parcerias.
Foi inspirada na imagem de uma cidade que resumia o mundo desde os anos 50 que Lou Reed fez seu álbum preferido, no começo dos anos 70, o denso Berlin.
Se a parte ocidental vivia uma espécie de laboratório comportamental durante a Guerra Fria, a experiência de um socialismo real era tentado do outro lado do muro.
O dramaturgo Bertholt Brecht, vivendo desde 1948 em Berlim Oriental, levava a cabo suas experiências com um teatro político e seu famoso “método de distanciamento” para que o espectador tomasse consciência de seu papel e importância na história. Conseguiu prestígio internacional, com muitos turistas cruzando o Muro com carimbo de permanência de um dia na parte socialista só para assistirem as montagens de sua Berliner Ensemble.
A mesma sorte não teve a cantora Nina Hagen que teve que pular o muro – e escapou com vida dos guardas que vigiavam a fronteira – e só na parte ocidental conseguiu mostrar seu lado punk meio caricato.
Mesmo sob a ameça da cidade ser o epicentro e um dos alvos preferenciais de uma guerra atômica entre os Estados Unidos e a União Soviética (atual Rússia), Berlim fervia liberdade como, por exemplo, com a Love Parade – festa de rua com música eletrônica – que no seu primeiro ano, 1989, ao passar ao lado do Muro, os organizadores aumentaram o som para que o pessoal de Berlim Oriental pudesse também dançar e participar.
Até que o muro caiu…
Nos anos 90, com investimentos mundiais na cidade, Berlim se tornou um canteiro de obras, mas quem acreditava que os princípios hedonistas do final do século 19, a liberdade sexual dos anos 20 e a anarquia da época da Guerra Fria tinha acabado com o caráter libertário da cidade, estava profundamente enganado. A capital alemã se reafirmou e se confirmou como abrigo de artistas e, ao invés se tornar mais uma cidade regida estritamente pelas leis do mercado, acabou se tornando uma das cidades mais baratas da Europa para se viver.
A canadense Peaches declarou, em outubro desse ano, na Zitty Magazine, que está “amando morar na cidade” porque não consegue falar alemão, mas pelo menos seu inglês está piorando. Djs como a francessa Miss Kittin também adotaram a cidade, assim como cineastas e artistas plásticos do mundo inteiro.
E a banda R.E.M. escolheu a maior cidade da Alemanha para gravar seu último disco em 2010: “Berlim é excitante, a cidade pulsa com tantos e tão variados bairros distintos, toda uma história icônica, boa comida de todos os cantos do mundo… Um excelente lugar para montar acampamento e fazer um grande disco”.
Resumindo: como disse o prefeito da cidade Klaus Wowereit, “Berlim é pobre, mas é sexy”.