Tentar compreender a curta carreira de Kid Cudi é como desvelar um mistério – sempre surge uma reviravolta e um elemento novo que modifica completamente a sua compreensão sobra a obra compacta, porém intensa, deste rapper. Com dois álbuns de estúdio, ele já pode se vangloriar de ter criado um universo próprio com suas letras exageradas e incursões por diferentes estilos musicais.

Além disso, seu currículo inclui colaborações com nomes como o todo-poderoso DJ David Guetta, Kanye West (Cudi assina algumas composições do bem-sucedido 808s & Heartbreak, de KW), MGMT e o duo de música eletrônica Ratatat.

Kid Cudi, nascido Scott Ramon Seguro Mescudi, começou sua carreira com o lançamento da mixtape A Kid Named Cudi. O set trazia de samples de Outkast, Dilla, N.E.R.D e Gnarls Barkley a músicas próprias, que mais tarde estariam em seu primeiro álbum de estúdio, o conceitual Man on The Moon: The End of The Day.

Se seu primeiro trabalho de estúdio trazia pérolas como Alive, Day ‘n’ Nite (que estreou no topo do Hot 100 da Billboard e dominou as paradas de R&B em 2009) e o hit Pursuit of Hapiness, em seu novo álbum o rapper resolveu ir além. Expôs seus demônios pessoais com um toque de exagero tão teatral e despudorado, que as novas composições parecem mais delírios do que canções acabadas. E quer saber? Deu certo.

O álbum, intitulado Man on The Moon II: The Legend of Mr. Rager, chega às lojas nesta terça-feira (9), e já começa exagerando na megalomania. Com cinco “atos” (“O mundo que estou dominando”, “Uma viagem intensa”, “A festa continua”, “A transformação” e “Você vive, você aprende”), o trabalho é um mergulho intenso na mente do rapper, que afirmou em entrevistas recentes que abriu seu subconsciente. Ele só não tem certeza se muita gente vai gostar.

E a preocupação é válida, já que de fato muita coisa assusta. Ouvir as 17 angustiantes faixas na sequência traz um desconforto agudo. As músicas conseguem equilibrar (de uma maneira muito particular e estranha) letras sobre morte, suicídio, violência e muitas, muitas drogas com alguns momentos dançantes e até mesmo alegres. Esse paradoxo pode dificultar a audição, mas com certeza é o principal charme desse álbum tão estranho e, ao mesmo tempo, tão coerente.

Man on The Moon II: The Legend of Mr. Rager começa com Scott Mescudi vs. the World, que conta com a participação de Cee-Lo Green. Na música, o rapper já começa a situar o ouvinte em seu mundo particular de drogas, festas, consciência alterada e muito hedonismo. Essa é a palavra-chave do álbum: um hedonismo desenfreado e constante, e, assim como na fábula de Oscar Wilde, Kid Cudi é o Dorian Gray que precisa aprender a conviver com a própria maldição. No caso do rapper, a tentação é o vício em cocaína, que ele destrincha sem medo e até com um toque de sadismo.

Em Revofev, o rapper pede o início de uma revolução, em um refrão delicioso e viciante. Logo em seguida, o instrumental delicado de Don’t Play This Song prenuncia uma faixa que se divide entre a melodia dançante e as letras assustadoras (“quer saber como isso vai soar quando eu estiver sem usar drogas? (…) dor, morte, tristeza e solidão, não quero continuar com essa viagem a não ser que eu esteja loucamente chapado”).

Marijuana continua na mesma pegada, com a melodia dançante constrastando com os vocais sussurrados. Com um coral ao fundo e uma guitarra forte, a música é uma pérola, uma das poucas faixas do álbum em que é possível entrar no clima de desejo e beleza sem pensar em consequências ruins. Se Kanye West conseguir cravar uma faixa tão certeira em seu novo álbum, já pode se dar por feliz.

O rock aparece com força na faixa Erase Me, que ganhou uma versão ao vivo no programa de David Letterman. Uma das faixas mais acessíveis do álbum, traz o rapper contando a história de um homem que não se importa em ser obssessivo e até mesmo cruel na hora de descrever seu relacionamento. “É como se eu fosse seu novo pesadelo, ela não pode escapar. Yeah, saber que alguém que eu amo não me corresponde me faz sentir um homem completo”.

Em Wild’n Cuz I’m Young o clima começa a ficar mais pesado, e é a hora que sabemos que o clima de “curtição” do começo do álbum era um prenúncio da hipnose promovida por Kid Cudi na parte final. Entre distorções instrumentais, ritmos propositalmente lentos, sonoridas soturnas e até mesmo toques de trip hop, o rapper fala sobre loucura, paranóia, suicídio, morte e distúrbios de personalidade. Uma das melhores faixas do álbum está nessa sequência final – intitulada These Worries, a música traz uma participação ótima de Mary J. Blige, e é uma das poucas que admite haver uma esperança para os fantasmas pessoais do rapper.

Se fosse apenas um álbum soturno e introspectivo, Man on The Moon II: The Legend of Mr. Rager seria intrigante e incômodo. Mas saber que cada melodia e cada letra refletem a mente do artista acaba tendo um efeito perturbador. Ele seria apenas um álbum mediano (com algumas faixas até bem ruins), mas a atmosfera íntima criada pelo rapper acaba funcionando – e cria cada vez mais vontade de saber quem, afinal, é esse Kid Cudi.


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Kid Cudi lança segundo álbum de estúdio e explora dramas pessoais sem medo de ser teatral