Se um festival de música normalmente já é sinônimo de festa, imagine um que acontece na beira do mar mediterrâneo em pleno verão espanhol. Não é nem mais festa: é folia, é comemoração. Depois de abrir sua programação com um dia mais ameno de shows na Poble Espanyol, um dos pontos turísticos da cidade, o festival retornou para sua casa, o Parc Del Forum, uma instalação gigantesca à beira do Mar Mediterrâneo. 

Com o calor intenso de Barcelona nesta época do ano, o público se preparou para o festival como se fosse para um gigantesco piquenique na beira do mar. Milhares de pessoas tomavam sol enquanto esperavam o início dos shows, por volta das 17h (só escurece a partir das 22h30), em um tranquilo clima de férias. 

Mas o início tranquilo era só fachada: a partir das 19h, o festival bomba com uma energia de quem passou boa parte do ano esperando por um verão quente o bastante para passar o dia e a noite festejando na rua. Pessoas fantasiadas, cosplays de Jedis (promovendo uma guerra de sabres de luz de brinquedo durante a madrugada) e garotas vestidas de pin-up são apenas alguns dos destaques de um festival que espera 120 mil pessoas e que reúne desde fãs aguardando ansiosamente pelo retorno do Pulp a entusiastas de música eletrônica e rock psicodélico.

Todo mundo festeja, mas mesmo com seus diversos fantasiados o Primavera Sound é coisa séria. A grande maioria do público chega ao Parc Del Forum com mochilas pretas, camisetas de banda e semblante compenetrado enquanto olha com carinho a programação e se pprepara para não perder o show de seus grupos favoritos. E a escolha não costuma ser fácil, porque além da variedade das atrações, o festival conta com quase 10 palcos distribuídos por uma área enorme. 

Com a quantidade de pessoas se movendo de um palco para o outro e o tamanho do Parc Del Forum, é fácil perder o começo de um show. Essa necessidade de organização fez com que os fãs mais energéticos fizessem verdadeiros esquemas de guerra para ver suas bandas favoritas e não deixar nada de fora – e ai de quem estivesse no caminho quando rolava uma aglomeração.

PSICODELIA E HIP HOP

O dia 26 de maio não deve ter entrado na agenda do ex-Sex Pistols John Lydon de maneira agradável. Porque foi nesta tarde que o som do PIL foi abafado pelo hip hop. No mesmo horário do aguardado show de retorno do Public Image com a formação original e a promessa de uma tarde de nostalgia, um grupo gigantesco de fãs pulava ao som das bases fortes e as rimas afiadas de Big Boi e seu talentoso DJ. John Lydon tentou, mas não conseguiu manter o palco cheio diante do tambor sonoro de Big Boi no palco ao lado. 

O rapper americano apresentou no festival o repertório de seu primeiro álbum fora do Outkast, Sir Lucious Left Foot: The Son of Chico Dusty, lançado em 2010. Com um enorme grupo de garotas rebolando no palco, ritmo impecável e rimas inspiradas, Big Boi não só roubou o momento de John Lydon como invadiu o som de outros palcos com seu enorme sistema de som.

O hip hop também se deu bem com os dois shows do Das Racist, que se apresentou no minúsculo Ray-Ban Unplugged e e um dos palcos principais. “Puta que o pariu, esse som tá uma merda, será que dá pra piorar?”, disparou um dos integrantes do grupo americano, que reúne referências obscuras e um humor nada convencional em uma apresentação divertida e barulhenta – no melhor sentido possível. 

O espaço da Ray-Ban só suportava cerca de 50 pessoas, mas isso não foi problema para o público, que se espremeu dentro da tenda ou assistiu ao show do lado de fora. As rimas divertidas e o espírito de moleques dos rappers, que brincavam com a plateia e mandavam ver nos trocadilhos infames e politicamente incorretos, fizeram com que o show do Das Racist fosse uma festa mesmo com o som péssimo da tenda.

Depois do elogiado show do Grinderman, que lotou a tenda principal com os gritos de Nick Cave e suas guitarras no volume máximo, o Primavera Sound recebeu uma dose de psicodelia enorme com a apresentação do headliner da noite, o Flaming Lips. Wayne Coyne e seus companheiros não economizam na fanfarronice: o show é uma profusão inexplicável de cores, papéis picados voando, mãos gigantes apontando raios laser para a plateia e balões pulando em cima do público. Logo no início da apresentação, Wayne Coyne entra dentro de sua bolha e se joga em cima da plateia, dando piruetas malucas e começando o show em tom de festa. 

O telão caleidoscópico do show e o palco absurdamente colorido trouxeram um contraste curioso ao minimalismo da apresentação do Grinderman. E a plateia, apaixonada, sorria para Wayne Coyne, cantava junto e se acabava de tanto pular dentro da folia carnavalesca do Flaming Lips. Já que é pra brincar de espetáculo, a banda entendeu que o espírito mais legal é o do exagero – e se deu bem, criando um clima de celebração tão genuíno que seu show parecia uma dimensão alternativa para quem estava cansado da realidade e queria imaginar que vivia em um mundo de beleza Technicolor.

No finzinho da noite, o Caribou retornou ao Primavera com suas texturas e maluquices sonoras. Além de lotar um dos maiores palcos do festival, deixou a galera tão atordoada que tinha gente caindo do barranco enquanto tentava arranjar um lugar para ver o show.

NOSTALGIA E DUBSTEP

Menino franzino, novinho e de topete, James Blake não mostrou timidez em sua primeira apresentação em um grande festival. Nesta sexta-feira, o garoto de 20 e poucos anos arrastou uma multidão para ver seu show no comecinho da tarde, e se mostrou extremamente agradecido pelo tamanho da plateia. Com um show triste e melancólico, o dubstep forte de James Blake pegou o público de jeito, fazendo alguns fãs chorarem e outros protegerem os ouvidos da massa sonora intensa que saia das caixas de som.

O uso inteligente do auto-tune (por vezes choroso, mas sempre emocionante), o baixo asfixiante (perto da caixa de som, era difícil respirar) e a melodia intensa do teclado de James Blake não deixou ninguém passar por seu show sem sentir que valia a pena parar para ouvir. Mesmo que o som seja intimista, o show funciona em grandes arenas – e o sorriso enorme de Blake e sua simpatia ajudam a conquistar o afeto do público.

Entre apresentações de bandas como Low, Explosions In The Sky, Belle & Sebastian, The National e Ariel Pink’s Haunted Graffiti, o público já se posicionava para o grande headliner da noite: o Pulp. O ícone do britpop, comandado pelo peculiar Jarvis Cocker, se separou em 2002 e deste então não fez nenhuma apresentação ao vivo – e, para piorar a situação dos fãs do grupo, Jarvis já havia dito em inúmeros entrevistas que não iria voltar com a banda. Por sorte, o músico precisou engolir as próprias palavras com o anúncio de uma nova turnê, que teve seu primeiro show no Primavera Sound.

Mesmo com diversos palcos, um espaço enorme e várias outras bandas para ver, ninguém estava em outro lugar a não ser no palco principal. A aglomeração era tanta que era impossível chegar na região do palco uma hora antes do show. Mas todo mundo deu um jeito de se acomodar para ver o retorno de Jarvis Cocker, mesmo que fosse em cima de um muro ou no meio de uma poça de lama.

“Nós não estamos revivendo a história, estamos fazendo história”, afirmou o nada modesto Jarvis Cocker no início do show. E o público, eufórico, transformou suas palavras em realidade, literalmente entrando dentro do show. Uma massa enorme de fãs posicionados perto da grande praticamente se tornou um organismo só, gritando todas as letras e não se importando em rasgar as roupas, se machucar ou levar um tombo. 

O show começou com Do You Remember The First Time?, e contou também com Pink Glove, Pencil Skirt, Something Changed, Disco 2000, Babies, Underwear, I Psy, Sunrise e Common People

E Jarvis Cocker retomou o clima político do festival dedicando o hit Common People aos manifestantes que protestam incessantemente contra o governo espanhol em cidades como Barcelona e Madrid. Em um Primavera Sound tomado por placas e gritos de protesto, seu principal headliner proclama que a política e a música estão, sim, juntas no mesmo pacote.


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