Elza Soares
Elza Soares poderia tranquilamente viver hoje de seus memoráveis trabalhos lançados desde a década de 60. Seu público fiel acompanha cada apresentação e aplaude os clássicos de sua carreira, como Se Acaso você Chegasse, Mulata Assanhada e Lata d’Água na Cabeça. Porém Elza quer mais, muito mais…
Considerada a cantora do milênio pela BBC de Londres, a artista continua ousada, abusada, assanhada e tinhosa. Faz parcerias inusitadas, aposta no improviso, brinca com a voz, com o público, emociona e deixa os músicos de cabelo em pé.
Mesmo após uma delicada cirurgia na coluna há cerca de cinco meses, ela traz uma série de novidades, que prometem quebrar as fronteiras da música: fará parceria com o grupo de rock-samba (nesta ordem, entenda na entrevista), Huaska, e investe em um trabalho de música – pasmem – eletrônica!
Além disso, regravou a música Paciência (Lenine) para o filme Estamos Juntos, lançou o documentário Elza, de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, e está prestes a gravar um novo CD de samba. Tudo isso no alto dos seus 70 e poucos anos.
Confira um bate-papo com a cantora:
Depois que a gente pensa já ter escutado Elza Soares de todas as maneiras, você recebe um convite para participar do CD do Huaska. É isso?
É um rock-samba. Não dá para falar nem que é samba rock, porque é mais rock. É um rock pesado, cara. Uma loucura, uma doideira, uma coisa muito gostosa. É um grupo que já tem uma carreira e me chamaram para ser madrinha. E eu aceitei, é claro. O som é muito forte (imita), não vou falar palavrão senão fica feio. Mas é muito F… Vai ter o samba no meio para dar aquela brasilidade, mas é rock. E esse rock vem para enfernizar a cabeça.
E como é a Elza Soares roqueira?
Eu já fui roqueira aqui em São Paulo, lá no Madame Satã (casa noturna aberta em 1983). Havia um projeto chamado Vingança Salamalígna, em homenagem ao Bento Carneiro, o vampiro brasileiro, né? O show começava à meia noite em ponto, tinha uma mesinha redonda que eu enchia de velas vermelhas. Dava aquelas badaladas e eu as acendia. Era tão louco que eu pintei o meu cabelo de branco e caiu tudo (risos). Meu, foi uma coisa histórica: eu de cabelo branco, aquelas roupas de couro, metal tocando…
Nesta nova apresentação, você vai mudar o visual? Um novo cabelo branco?
Não sei o que eu vou fazer não (risos). Mas acho que com o que eu sou, com essa roupa, não vou precisar mudar o visual. Afinal, meu visual é rock and roll total. Aliás, eu me visto para que as pessoas se sintam à vontade para se vestir como eu. Te gente que fala: “ai, eu não tenho coragem de me vestir assim, não sou presepeira como a Elza Soares”. Já eu gosto de me vestir de roupa justa, de mostrar o corpão. Falo: “mooostre tudo, menina” (risos).
O rock será pautado por uma parceria. Mas outro projeto, também inusitado, é voltado para a música eletrônica. O que podemos esperar da Elza Soares e DJs?
Esse é um projeto mais meu. Fiz um experimento em outubro do ano passado e deu muito certo. Lancei primeiro na Europa, levei o DJ Muralha comigo, todo esse pessoal que eu estou lançando. Meu, foi uma loucura, adorei, adorei, adorei. Digo que no palco posso até morrer. Mas ele me dá vida, é nele que boto todas as tristezas, alegrias, pensamentos. Curto muito o trabalho, essas experimentações. Para você ter uma ideia, estou toda parafusada e estou no palco, não paro!
Neste projeto com DJs, você vai trazer regravações mixadas? Terá “Se Acaso você Chegasse”, “Lata D’água na Cabeça”?
A gente deve trazer uma ou outra regravação. Agora, o que a gente quer mesmo é trazer composições novas. Lá fora, na Europa, a recepção desse trabalho foi muito forte. O público brasileiro que mora lá fora é mais saudosista e em hipótese alguma esperava levar uma porrada dessas: Elza Soares e DJs. E todos gostaram, pularam, botaram a cabeça no teto.
Por que investir em sons tão diferentes do que já fez no decorrer da carreira?
A música boa não tem fronteiras. Então quando você pega uma boa música e a transforma em algo muito mais… Sei lá, nós precisamos disso para chegar até essa garotada aí. Estou chegando da Europa, passei pela Alemanha, Paris, depois emendei o Brasil, então tudo o que se faz em termos de música, principalmente quando trazemos novidade, é muito bom. É bom para o público, para a cultura, para experimentos, para a música.
O Virgula é um site jovem, cujos leitores também são muito jovens. Como o público jovem e os artistas jovens te recebem?
Cara, tem uns que ficam de joelhos, tem outros que têm medo de chegar perto. Mas o carinho é um só, sempre com muito tesão. Eles me respeitam bastante, e eu sugo um pouquinho. Não sou vampira, mas sugo um pouquinho da energia e também dou um pouco da minha. Penso sempre: “você tem que buscar esse pessoal”.
Recentemente você fez até uma parceria com Thiaguinho, do Exaltasamba, que é um sucesso com a galera mais jovem. Gosta do grupo?
Eu gosto. Gosto e tenho respeito por aquilo que fazem. Todo mundo tem o seu público, então não tem como falar que não gosto. Não tem como falar que não é bom. É bom. Quando fiz a parceria com o Thiaguinho, eu trouxe ele para mim, para o meu samba. Falei: “Vem cá, Thiaguinho”, porque ele é muito engraçadinho, né? Então trouxe ele mais para o meu lado brejeiro, com liberdade para cantar. Eu vejo tudo isso como uma troca, que acrescenta muito.
Quando você começou a carreira, o cenário artístico e esportivo (uma vez que se relacionou com Garrincha) era outro. O que destaca de mais diferente de lá para cá?
A conscientização chegou. Agora, a cantora não é mais vista como prostituta. Agora, ela é uma artista. As mães até incentivam: “Vai lá minha filha, canta… Canta, diabo, você não canta, não?” (risos). Os jogadores de futebol também não ganhavam dinheiro, não eram tão valorizados. Hoje em dia os pais já compram chuteira e colocam a bola no pé da criança pensando que vai dar dinheiro. Quando eu comecei, era tudo diferente.
Durante muito tempo tentaram te rotular como Billie Holiday brasileira, Tina Turner brasileira, mas você conseguiu driblar e se firmar como Elza Soares. Te incomodava as comparações?
Sou a Elza Soares, não adianta que não vai mudar. Mas eu achei até muito bom, porque estavam me colocando em um lugar de fama. Não gostaria que me colocassem em lugar de lama, aí é triste. Mas a recepção sobre essas comparações foi muito positiva. São grandes artistas.
Sua voz é única e você trabalha com ela de uma maneira toda particular. De onde surgiram esses trejeitos, a ronquidão?
Foi a lata d’água na cabeça que ajudou. Eu pegava a lata d’água, fazia força e a voz saía com essa ronquidão. Pensava: isso dá som, cara, e deu, né? Meu pai falava: “se estragar a garganta, vai apanhar, ein?” (risos). Conquistei o Louis Armstrong por causa disso. Em 1962, ele me ouviu cantando na Copa do Mundo e veio falar comigo. Só que ele não entendia como é que eu fazia isso (imita) e depois voltava a falar normal. Ele dizia: “isso não pode ser normal” (risos). Mas também já fui muito criticada. Diziam: “De onde veio essa mulher com voz de cano d’água. Que voz é essa, rachada?” (risos). Mas crítica sempre tem. Enquanto você estiver na Terra, vivo, você vai ser criticado de todas as maneiras. Se fizer bom demais é criticado, se não fizer bom também é.
Depois da delicada operação na coluna, que foi feita pela garganta, sua voz mudou?
Quando fiz a operação, o médico me deu “belas” notícias: você pode morrer, você pode ficar muda ou então ficar fanha. O meu medo foi crescendo, crescendo, eu disse: “Ah, acho que não vou operar não”. Mas ele rebateu: “Se você continuar assim, você morre também”. “Ok, então opera”. Limpou mais a voz, porque eu sempre fui mais rouca, né? Minha voz agora está mais limpa e acho que até mais forte.
Elza, apesar de estar em recuperação, você está a todo vapor. Vai cantar rock, fará show com DJs, tem um CD de samba que também vai vir, lançou recentemente um documentário, vai lançar outro futuramente…
Estou muito feliz, realizada, mas muito aflita, quero ficar boa logo. Então eu me empolgo, pulo e depois penso: “será que soltei algum parafuso?” (risos). É para ter mais cuidado. Eu sinto falta dos meus saltos 15. Eu converso com eles: “não fica triste que a gente volta, tá?”. Gente, que loucura… Mas mesmo parafusada, minha mensagem continua a mesma: “Estou na pista para negócio!”.