Os vampiros bonzinhos
Os vampiros são criaturas das trevas, más, cuja sobrevivência deve-se ao ato de sugar sangue. Porém, neste sábado (11), às 10h, vários fãs destes seres sombrios vão se vestir de preto e participar, em frente ao Masp, São Paulo, de uma campanha sócio-cultural e filantrópica pra lá de nobre (e do bem!): O Dia dos Vampiros, que promove a doação de sangue e visa salvar vidas. Sim, SALVAR VIDAS.
A curiosa campanha completa 10 anos e é encabeçada pela cineasta, atriz e escritora Liz Marins, filha do monstro José Mojica (Zé do Caixão), que interpreta a personagem Liz Vamp. “Mostramos que fazer o bem, além de gratificante, pode ser algo muito divertido”, declarou ela com exclusividade ao Virgula Famosos.
O Dia dos Vampiros, que virou lei em setembro de 2003, em São Paulo, incentiva à doação de sangue, luta contra as discriminações (por isso as pessoas se vestem como querem) e incentiva a diversidade artística. Tanto que no dia será feito um sorteio de livros de histórias fantásticas com os integrantes – qualquer pessoa pode participar – que aparecerem no local.
Abaixo, Liz fala sobre a comemoração:
VIRGULA – O Dia dos Vampiros é uma data ousada que surpreende pela criatividade e pela boa intenção. Como surgiu a ideia?
Liz Marins – Quando lancei a personagem [Liz Vamp], em 2001, deu mídia pra caramba e senti a necessidade de aliar o artístico ao social. Isso veio por várias questões. Entre elas, a de que perdi minha mãe muito cedo, com 50 anos, e ela teve altas hemorragias, precisou receber muito sangue. Foi aí que comecei a me inteirar da importância da doação de sangue. Em 2002, pensei: “sou filha de monstro, sou uma vampira, sou relacionada ao sangue… Então vou criar um dia para as pessoas doarem sangue”.
Uma das bandeiras desta data é combater o preconceito. Você já sofreu muito preconceito por ser filha do Zé do Caixão?
Minha família sofreu muito com isso. Falavam: “Ah, deve dormir dentro do caixão, comer coisa esquisita, mexer com magia negra (risos)”. Você não sabe a quantidade de gente que acredita que eu sou vampira de verdade (risos). Mas, independente da minha história, existe preconceito por um monte de coisa: raça, credo, orientação sexual. E eu sempre acreditei que somos todos iguais. A caveira que todo mundo teme, na verdade, é o que somos. Ela e o sangue. O lado bacana é que, quando a pessoa doa o sangue, ela não sabe para quem vai. E quem recebe, não sabe de onde veio.
Quando vocês aparecem todos vestidos de preto, existem pessoas que estranham e criticam?
Ah, sim. É comum as pessoas fazerem o sinal da cruz quando a gente passa, criticam muito… Mas elas sequer sabem que aquelas pessoas fantasiadas salvam vidas. A questão da fantasia existe para que a ação social fique gostosa, divertida. Você acha que é fácil convencer um monte de jovem, que gosta de balada, RPG, a levar picada e doar sangue? Além delas, surpreendentemente aparecem pessoas “normais” que acham divertido e seguem o cortejo para doar sangue conosco. Antes, a campanha vinha com um apelo fraco – “doe o sanguinho e faça um benzinho” – mas ela não chegava até as pessoas. Nós atraímos gente que talvez nunca fosse doar sangue. Provamos que ser bom pode ser divertido. E que a diversão pode fazer o bem.
Qual é o perfil de quem participa?
A maioria é de jovens de 16 a 30 anos, mas também aparecem pessoas de 40, 50 e até junto com os filhos. A maioria curte literatura fantástica, não só sobre vampiros, mas também histórias de super-herói, filmes, HQs. É muito válido porque eles deixam de ir para a balada no dia anterior para deixar o sangue limpo e doar no dia seguinte. Neste ano, estou contente porque tem até menor de idade que fez questão que a mãe assinasse uma autorização para ele doar.
Qual é o resultado desta campanha?
No Brasil, apenas 2% da população doa sangue e neste período o número tende a ser pior, por conta das férias e do frio. Com essa campanha conseguimos bater o recorde do maior Hemocentro da América Latina – Fundação Pró-Sangue (Clínicas). Em 2004, por exemplo, tivemos um aumento de 29% a mais das doações. Atualmente, o Dia dos Vampiros está sendo comemorado também em outras cidades do Brasil e do mundo. Inclusive no ano passado foi comemorado na Eslovênia durante um Festival de cinema Fantástico, o Grossmann Fantastic Film and Wine Festival, que contou com a ilustre presença do ator Christopher Lee, que está com mais de 90 anos e é o intérprete mais famoso do Conde Drácula. Além do mais, é importante dizer que, com uma única picadinha, salvamos no mínimo três vidas.
A campanha também visa a quebra de preconceitos. O que acha de os gays não poderem fazer a doação de sangue?
É um absurdo! Eles proíbem os gays por uma questão financeira, para não terem prejuízo no momento de descartar o material, caso o teste posterior a coleta comprove alguma doença. Levam em conta que a probabilidade de gays terem doenças é muito maior, pois a promiscuidade seria maior. Mas isso não é real, pois ser gay não é sinônimo de ser promíscuo. Até porque o maior índice de pessoas contaminadas pelo HIV é de mulheres casadas com mais de 50 anos. Se eles usam preservativos, têm absolutamente as mesmas chances da pessoa hétero que tem um parceiro. E tão absurdo que, se ele for gay e virgem, não pode doar sangue. Podem dizer que o sexo anal ajuda na contaminação, mas quem disse que um casal hétero não pratica? Este conceito precisa ser revisto.
O que o José Mojica, o Zé do Caixão, pensa sobre O Dia dos Vampiros?
O meu pai não curte o mito do vampiro por considerar algo muito estrangeiro. Quando lancei a personagem, que é uma filha dele com uma vampira inglesa, eu pedi a autorização e ele falou: “Desde que ele não soubesse que era uma vampira…” (risos). Ainda tento convencê-lo de que o vampiro não é algo estrangeiro e que existe nas lendas indígenas. Já sobre a campanha, ele curte. Segundo o meu pai, consegui fazer algo útil, original e com um tema diferente. Ele curtiu o fato de estarmos salvando vidas.
Veja a galeria acima com os vampiros bonzinhos da ficção e momentos do Dia dos Vampiros.