Videolocadoras em 2013


Créditos: Gabriel Quintão

No começo dos anos 90, Kazu, pai deste repórter, costumava levar seus filhos à pequena videolocadora na esquina de casa, no bairro de Perdizes, em São Paulo. Escolher um filme para assistir, passeando indecisamente entre capas coloridas de fitas VHS, era, tanto quanto correr de bicicleta, nossa atividade preferida. Rebatizada de Cine Pizza, a loja continua por lá. Em seus 28 anos de existência, ela testemunhou a substituição de fitas de vídeo por DVDs, viu a entrada do Blu-Ray no mercado e, agora, em tempos de TV por demanda e mídias piratas, é uma das bravas locadoras que insistem em sobreviver.

Os tempos são difíceis. Nos Estados Unidos, a (outrora gigante) rede Blockbuster parou de alugar filmes no último sábado (7) e fechará suas lojas até o fim do ano, cortando 1,2 mil empregos e apontando perspectivas pouco otimistas para esse mercado (contatado, o braço brasileiro da empresa optou por não falar com a reportagem). No Brasil, com a concorrência de DVDs piratas, Netflix, TV sob demanda, TV a cabo, downloads ilegais e o diabo a quatro, videolocadoras continuam fechando as portas uma atrás da outra.

Bom para a Cine Pizza que não só de locação vivem seus negócios (como seu próprio nome indica). Ela foi uma das primeiras a perceber a importância de oferecer outros tipos de serviço para seus clientes. Em 1997, a loja, até então chamada Hawaí Videolocadora, abriu uma pizzaria em suas dependências e criou a promoção “compre uma pizza e leve um filme de graça”.

Adriana Milli Aguiar, uma das proprietárias da videolocadora de bairro, estima que de 20% a 30% de suas locações, hoje, acontecem atreladas à promoção. “Pizza e filme em casa combinam muito bem. Os formatos de vídeo foram mudando ao longo do tempo, mas a pizza sempre agradou”. As locações na loja diminuíram nos últimos anos, mas o forno a lenha tem ajudado a não esfriar de vez o negócio.

Carlos Augusto, diretor de franchising da rede 100% Vídeo, por sua vez, crava: “As empresas que oferecerem apenas videolocação não sobreviverão no mercado”. Ele explica que a empresa passa por um momento de reestruturação para se adequar ao novo modelo de consumo dos clientes.

“O faturamento com locação tem caído nos últimos anos. No momento, estamos encolhendo para voltar a crescer, a partir de um novo modelo de negócio, com a marca 100% Vídeo Store. Estamos incrementando os departamentos de produtos e serviços dentro das lojas. Além da locação, vendemos utilidades e presentes com temas de cinema e temos áreas de alimentação. Isso nos permite manter o faturamento, com uma perspectiva de aumento até”, diz.

A ideia, segundo Carlos Augusto, é tornar as lojas da franquia ambientes para passear. “É gostoso ir a uma videolocadora, ler a sinopse de um filme, conversar sobre cinema com um atendente e aproveitar para tomar um café e comer um pão de queijo. Acaba sendo um programa”, diz.

Ele acredita que as videolocadoras não deixarão de existir, apesar dos pesares. “Com o passar dos anos, as pessoas migrarão para o digital, mas uma ou outra loja continuará a existir. Quando lançaram o Kindle, disseram que ele acabaria com os livros, mas é muito mais gostoso folhear páginas do que ficar com o rosto grudado em uma tela”, argumenta.

Além das mudanças nas lojas físicas, a 100% Vídeo inaugurará em janeiro um canal de vídeo por streaming na internet, com alguns produtos exclusivos da franquia.

JANELA
A 2001 (foto acima), conhecida por seu acervo com filmes raros e diversificado, é outra rede de videolocadoras que sofre com os novos tempos. Para Sônia Abreu, proprietária e diretora da empresa, os prognósticos para o segmento são “pessimistas”. “Cada vez mais as pessoas estão ocupando seu tempo navegando na internet (não necessariamente baixando filmes). Hoje exige-se muito mais trabalho e criatividade para convencer uma pessoa a economizar suas horas nas redes sociais para assistir a um filme, ler um livro”, reclama.

“Além disso, o mercado de vídeo está privilegiando cada vez mais os canais por assinatura, ‘quebrando’ um acordo de ‘janela’ que sempre foi respeitado no mercado de vídeo, ou seja, para que os filmes de locação tenham exclusividade por um determinado período, as locadoras pagam um preço superior. Algumas distribuidoras estão diminuindo cada vez mais este prazo. E pior, alguns filmes estão sendo antecipados em outros veículos. Como consequência, elas estão limitando as possibilidades do cliente que curte a mídia física de ter esse acesso através das locadoras”, explica.

A 2001 se aproveita da demanda existente pelo fechamento de outras locadoras para se manter em pé. “As pessoas que gostam do DVD e do Blu-Ray devido à superioridade da qualidade, diversidade e conteúdo cada vez mais têm suas opções restritas ao conteúdo online. Por isso, identificamos a necessidade de expandir nossa área de atuação com a finalidade de disponibilizar nosso acervo, que é incomparável”.

“Todo o investimento que estamos fazendo é nos canais de internet e no sistema de delivery, que conta com acesso a mais de mil bairros em São Paulo. Nossa intenção é humanizar a relação entre a empresa e o cliente. O pedido é feito virtualmente, mas é materializado quando ele recebe os filmes em embalagem original, acompanhado de pipoca, entre outros produtos”, explica.

PÚBLICO
A média de idade de pessoas que alugam filmes aumentou. A 100% calcula que o “grosso” de sua clientela esteja na faixa de 28 a 75 anos. A 2001, de 25 a 45 anos. Há muita gente que não se deu bem com as novas tecnologias online, é verdade, mas, segundo as lojas, há também os que optam por alugar DVDs e Blu-Rays em razão da melhor qualidade dessas mídias, dos conteúdos extras, da maior quantidade de títulos novos disponibilizados mensalmente ou da comodidade de poder ver o filme em qualquer lugar. Há até os que gostam de ir às videolocadoras pelo prazer de andar entre prateleiras de capas coloridas.

Depois de passar pela Cine Pizza, tentei recordar de quando parei de ir a videolocadoras. A última que frequentei foi a da Vila Mariana, lá por 2005. Já estava meio caída e fechou para virar loja de roupas de bebê. Lembrei-me do cara de barba grisalha da videolocadora de Santos (cujo nome não me lembro), que conhecia o gosto de seus clientes e recomendava os filmes mais certeiros. Iñarritu, Kieslowski e coisas do tipo.

Bateu algo ao pensar que, antes, as pessoas falavam sobre filmes em videolocadoras, assim como ouviam discos juntas ao redor de uma vitrola. Pensei em fazer cadastro na locadora da minha rua. Ainda assim, preferi deixar para outro dia e, chegando em casa, confesso, assisti a alguma coisa qualquer no Netflix.


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Em tempos de Netflix, videolocadoras se reinventam para sobreviver em SP