Desde 1999, durante cinco dias do ano, a cidade de Montreal, na província de Quebec, Canadá, se transforma no melhor lugar do mundo para quem gosta de música eletrônica e cultura digital, graças ao festival Mutek.

Criado com o intuito de limpar a má fama da música eletrônica, que no final dos anos 90 estava muito ligada ao uso de drogas, o Mutek fez em 2013, entre os dias 29 de maio e 2 de junho, uma de suas edições mais fortes, com mais de 140 artistas espalhados em cinco palcos da cidade. Ao longo de seus cinco dias, mais de 20 mil pessoas passaram pelo festival.

A programação do Mutek mistura veteranos do universo da música eletrônica (como os DJs americano Robert Hood e Juan Atkins, o soulman eletrônico Jamie Lidell e o produtor/DJ/músico inglês Matthew Herbert), novíssimos talentos dos beats – como John Talabot, Jon Hopkins, Axel Boman, Laurel Halo – e nomes que já há algum tempo habitam os corações de quem ama música eletrônica: John Tejada, Frivolous, Deadbeat, Michael Mayer, Pantha du Prince, Sacha Funke e Efedemin, entre muitos outros.

O Mutek é essencialmente um festival audiovisual, portanto todas as apresentações têm um apuro imagético impressionante. Alguns passos à frente, os VJs que passam pelo Mutek trabalham elementos que vão além das projeções, usando canhões de luz e as próprias telas como elementos para amplificar o poder de suas imagens.

Cada um dos cinco espaços do Mutek é dedicado a um tipo de experiência audiovisual. Pelo palco A/Visions, que acontece no belo edifício do Monument National, passaram as performances audiovisuais mais intensas. Entre elas a apresentação One Pig, em que Matthew Herbet, acompanhado de três músicos no palco, “toca” samples gravados ao longo da vida de um porco.

VEJA UM TRECHO DE ONE PIG, DE MATTHEW HERBERT

Além do A/Visions, o Mutek se ramifica em Nocturne (o palco mais “balada”), Expérience (apresentações no fim de tarde, numa clima de esquenta), o Dromo (uma espécie de planetário, ou “full dome”, com projeções absurdas, que acontece num dos centros culturais mais importantes da cidade, o SAT) e o Play (o mais experimental, musicalmente falando), culminando com o Piknic Elétronique, uma grande festa diurna realizada no Parque Jean Drapeau (onde acontece o Grand Prix de Montreal), encerrando a programação


VEJA O VÍDEO ABAIXO COM A COBERTURA DO PIKNIC



Mas nem só de festa é feito o Mutek. Aliás, uma boa parte de sua programação é diurna, voltada para o lado mais cabeça da música eletrônica. Gratuita, a programação inclui painéis de debate, workshops, instalações audiovisuais e entrevistas com os artistas da programação do festival.

Em 2013, o Mutek lançou seu primeiro slogan (“a primeira vez é inesquecível”). “Foi uma forma de atrair gente mais jovem e também de convidar quem já veio a voltar ao festival. Também estamos superanimados com o aniversário de 15 anos do Mutek, ano que vem. Isso nos motivou a fazer a melhor programação artística da história do festival. Quase metade das apresentações deste ano foram estréias mundiais”, diz Alain Mongeau, criador e diretor artístico do festival.

O Mutek já está no México (onde comemora 10 anos em setembro) e Espanha (onde acontece há seis anos). E seu criador se mostra animado com a possibilidade de fazer uma edição completa no Brasil.

“Fizémos algumas coisas pequenas no Brasil, mas agora há um grupo interessando em implementar o Mutek no país. Somos os ‘latinos do norte’ aqui em Montreal, falamos francês num continente onde 350 milhões de pessoas falam inglês. Sentimos uma conexão muito forte com a América Latina. O Brasil sem dúvida no interessa muito”, diz o criador do festival.

CAPITAL DOS FESTIVAIS

Alain Mongeau cita como um dos fatores importantes na formatação e no sucesso do Mutek a cidade de Montreal. Não à toa. O festival não tem fins lucrativos e é financiado quase totalmente pelo governo.

O Mutek é um dos muitos festivais de Montreal. Todos os anos, a cidade comporta mais de 100 eventos, entre festivais de jazz, circo, moda, gastronomia, cinema… tem até um festival dedicado às borboletas!

“A cidade de Montreal investe nos festivais porque eles são uma janela muito importante para apresentar o talento artístico local e internacional. Montreal tem a maior concentração artística do Canadá. A criatividade é forte e os montrealenses consomem muita cultura, além de serem um povo festeiro. Os festivais são o DNA da cidade”, diz o direitor geral de turismo de Montreal, Charles Lapointe.

A cidade é literalmente preparada para festivais a céu aberto. Bem no centro de Montreal fica o Quartier des Espetacles, uma zona de pedestres equipada com gigantescos pedestais para sistemas de som e luz, onde todos os anos acontecem boa parte dos festivais gratuitos da cidade.

Ali também estão concentrados o Museu de Arte Contemporânea, a Ópera House, e as casas de shows que hospedam o Montreal Jazz Festival, um dos mais famosos da cidade. Montreal, especialmente nos meses de verão, é uma festa.

FESTIVAL QUASE SEM DJS

Um dos grandes diferencias do Mutek em comparação a outros festivais de música eletrônica é o fato de quase não ter DJs na programação.

Alain Mongeau explica que isso se deve a uma só preocupação: dar mais peso à criatividade da música eletrônica do que ao lado “balada”.

“A gente quis deixar bem claro que havia uma cena criativa na música em si, que não era só uma festa. Por isso escolhemos focar em artistas, produtores que fazem música, e não nos DJs. Até hoje nossa programação é composta por produtores e não DJs. Não queria fazer mais um festival com cerveja, balada e gente dançando sem saber quem está por trás da música”, diz o criador do Mutek.

Por isso, nos palcos do festival se veem mesas lotadas de equipamentos como baterias eletrônicas, sintetizadores, microfones, samplers e até instrumentos criados pelos próprios artistas, como a máquina que modificava a “voz” do porco, usada por Matthew Herbert.

“Gosto de me apresentar no Mutek porque para mim é um festival de resistência, não está preocupado com o que é comercial ou fácil”, disse Herbert em entrevista aberta ao público. O inglês “se aproveitou” da maturidade do festival para apresentar outro show “difícil”, a performance The End of Silence, criada a partir de um fragmento sonoro de 10 segundos gravado durante a explosão de uma bomba na Líbia.

“O Mutek é um ato de resistência, sempre foi. A música eletrônica comercial está por toda parte, em festivais gigantescos com DJs genéricos. Por isso minha preocupação é apresentar novos artistas ao lado de gente já estabelecida. Acho que poucos DJs conseguem criar um som próprio se não produzem a música que tocam. Richie Hawtin, Jeff Mills… são esses os DJs que apresentamos no Mutek”, enfatiza Mongeau.

Para 2014, os planos são ambiciosos para um festival que se considera o “maior entre os pequenos”. “Para a comemoração de 15 anos esperamos atrair 100 mil pessoas, vamos usar áreas públicas da cidade. Acho que somos o maior dos pequenos festivais. Ser independente tem seu preço, mas não posso reclamar do que construímos”, conclui. A boa música agradece.

A jornalista viajou a convite do Bureau de Turismo de Montreal 


int(1)

Festival Mutek reuniu tendências da música eletrônica e da cultura digital em Montreal e tem o Brasil na mira