Há 30 anos como funcionário do Museu Imperial, em Petrópolis,
quatro deles no cargo de diretor, o historiador Maurício Vicente Ferreira
Júnior
já se considera parte do acervo da instituição que guarda o mais
importante tesouro da história nacional. Ele se enche de orgulho ao dizer que,
da sua janela, além de avistar “um lindo pica-pau”, vê uma fila de pessoas
esperando sua vez de entrar.

Nenhum outro museu público federal é tão visitado:
em média, 340 mil pessoas por ano deslizam de pantufas no saguão com piso de
mármore, original do século 19 – o mesmo no qual pisaram Dom Pedro II, a
princesa Isabel e tantos outros personagens. “Em um só dia, recentemente,
recebemos 3 mil. Você imagina isso? É muita gente, se comparado a qualquer
outro museu do país”, diz Maurício, que credita o sucesso não apenas à
importância do acervo, mas também às muitas atividades oferecidas.

Nesta
entrevista, ele fala sobre a rotina da família real no palácio e a importância
do Museu Imperial que, em março, completou 70 anos de inauguração.

Por que
o Museu Imperial faz tanto sucesso?

Porque oferecemos entretenimento cultural de qualidade.
Acreditamos que é possível aprender divertindo. As pessoas acham que visitar um
museu pode ser uma coisa entediante, cansativa, mas nós aqui quebramos essa
lógica. Oferecemos uma série de atividades que permitem ao visitante passar o
dia inteiro aqui, se quiser. Temos atividades diurnas e noturnas. Dá para
passar o dia no Museu, no fim da tarde participar do Sarau, que é uma
apresentação interativa de atrizes no papel de Princesa Isabel, de uma condessa
etc. com o público, e depois assistir ao espetáculo de som e luz, que é uma
viagem no tempo através da projeção de imagens numa cortina d’água, com a
narração de Paulo Autran, contando histórias da família real, da abolição,
fofocas da corte. Quase 400 mil pessoas já viram este espetáculo em 12 anos. Queremos
divertir as pessoas e fazer com elas se apropriem deste acervo, que é de todos
nós.

E quais são as peças do acervo que mais encantam as
pessoas?

Bem, o museu é uma referência internacional para o estudo
do período imperial brasileiro. Ele abriga peças relativas
aos reinados de Dom Pedro I e II, à fundação do estado nacional brasileiro,
porque o país foi criado sob a égide da monarquia. Pesquisadores do mundo todo
vêm conhecer este período da história do Brasil. Temos cerca de 300 mil itens:
mais de 250 mil documentos, 55 mil livros, 8 mil objetos. E entre as peças
fundamentais, que ninguém esquece, estão as coroas de D. Pedro I e II, o cetro usado
pelos dois imperadores, o manto, os trajes majestáticos, a pena que a Princesa
Isabel usou para assinar a Lei Áurea. São objetos muito significativos. Sem
contar as pantufas. Estas são inesquecíveis!

Pantufas?
Sim, todo visitante deve usar uma pantufa dentro do
museu. E virou uma das coisas mais pitorescas da visita, patinar, brincar, escorregar
no saguão. O New York Times fez uma matéria sobre museus que usam a proteção de
pantufas e nós fomos destaque. Tem em alguns ao redor do mundo, não muitos, em
Veneza, na Rússia e outros. A pantufa protege o piso original da casa, que foi
usado pela família no século 19. Entrando Palácio, o piso é de mármore de dois
tipos, de Carrara, italiano, e preto, belga, instalado em 1853. Depois, por
toda a casa, que tem 44 cômodos, há os pisos de madeira: pequiá rosa, pau
cetim, jacarandá, tudo original, implantado pelos arquitetos que construíram o
Palácio. E as pantufas também servem para a gente controlar o fluxo: são 300
pessoas, 300 pares de pantufas. A fila dobra porque as pessoas tem que
aguardar, e temos momentos de pico com mais 1000 pessoas. Ficamos com medo até
de serem pisoteadas.

O Palácio foi erguido por Dom Pedro II para servir como
sua residência de verão. Qual era a importância da casa e de Petrópolis para a
Corte?

A casa começou a ser construída em 1845 e o primeiro
verão da família aqui foi em 1849, ainda em obras. Dom Pedro I comprou a
fazenda do Córrego Seco, mas não construiu, apenas sonhou em ter uma casa de
veraneio. Quando ele abdicou, Dom Pedro II herdou e resolveu concretizar o
sonho do pai. A ideia é anterior à ideia de fundar Petrópolis, tanto que a
cidade foi planejada e construída ao redor do Palácio, que é seu umbigo. E o
imperador passava de 4 a seis meses por ano aqui, porque o Rio era um caos, uma
confusão generalizada, o calor, doenças, a falta de saneamento… E o deslocamento
levava 1h30 minutos de trem, então, imagine, dava pra ir e voltar da capital no
mesmo dia. Foi o que aconteceu no dia 13 de maio de 1888, um domingo. A Princesa
Isabel almoçou com os filhos às 9 da manhã – naquele tempo o almoço era mais
cedo -, foi ao Rio, assinou a Lei Áurea e voltou para jantar com os filhos às
18 horas. Quando a República foi proclamada, Dom Pedro II também estava aqui.
Foi avisado, pegou suas coisas e viajou ao Rio. No dia seguinte embarcou de
volta para Portugal.

E como era a rotina da família no Palácio e na cidade?
Aqui o imperador gostava de passear por
Petrópolis, quase diariamente, passava pelo Palácio de Cristal e a Praça da
Liberdade, que se chamava Largo Dom Afonso, eles visitavam cachoeiras, andavam
a cavalos, visitavam escolas. Dom Pedro II adorava visitar escolas, aliás, ia a
todas da cidade, fazia perguntas para os alunos. Frequentava o Hotel Bragança,
não perdia uma apresentação de música e teatro, lia bastante, visitava o
estabelecimento hidroterápico da cidade, onde se fazia tratamentos de saúde à
base de água. Foi lá, inclusive, que recebeu a notícia da proclamação da
República. Ou seja, era muito comum estar aqui. Veja, a abolição foi em maio e
eles estavam em Petrópolis, a República veio em novembro e eles também estavam.
A vida deles aqui era muito mais simples do que no Rio. Dom Pedro II tratava
dos assuntos de trabalho lá, e aqui considerava um lugar de descanso e lazer.


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Diretor do Museu Imperial em Petrópolis prova que museu não precisa ser entediante