Requisitado mundialmente, quando toca no exterior, o nome do DJ Marky costuma aparecer no topo dos flyers em letras garrafais. Mas para ele, fortalecer a cena eletrônica é mais que uma questão de honra, é uma missão, ainda que às vezes inglória.

“Hoje em dia parece que as pessoas não vão mais pela música, não vão mais pelos DJs. Tipo, ah, essa é a balada do momento? Então vamos lá”, constata.

Ouça Moodymann, I’d Rather Be Lonely


Uma prova do seu prestígio são os nomes que ele reuniu para o line-up do primeiro Marky & Friends Festival, que se realiza nesta sexta-feira (7), na The Week. O DJ dos Beastie Boys, Mix Master Mike, e o lendário produtor de house de Chicago Moodymann apresentam-se pela pela primeira vez no país.

Veja Mix Master Mike ao vivo

LTJ Bukem volta ao Brasil dez anos após uma apresentação memorável no Skol Beats. Um dos maiores nomes do drum and bass, com suas “logical progressions” é verdadeiro mestre naquilo que o brasileiro considera ser a função do DJ: Provocar o êxtase. 

Ouça LTJ Bukem, Horizons

O festival, que como Marky diz, tem como função “mostrar para as pessoas que a música vem em primeiro lugar”, recebe também outros nomes brasucas de alto calibre como DJ Patife, Leonardo Ruas, Bruno Belluomini e MS 2. A reportagem do Virgula Música conversou com o maior DJ brasileiro de todos os tempos. Leia a seguir:

Você é um cara reconhecido mundialmente. O que sente que
ainda falta na sua carreira, quais são seus projetos não realizados?

Meu projeto hoje é levantar a cena. Fazer com que a nova
geração volte a gostar de música. Colocar música em primeiro lugar de novo.
Hoje em dia parece que as pessoas não vão mais pela música, não vão mais pelos
DJs. Tipo, ah, essa é a balada do momento? Então vamos lá.

Eu acho que é isso, tentar mostrar para as pessoas que a
música vem em primeiro lugar.  

Considera que essa é sua missão na música?

Mais ou menos, eu acredito que sim.

Você é considerado alguém que renovou a eletrônica por ter
inserido elementos da música brasileira. Foi algo que você pensou ou apenas fez
à sua maneira e com isso conseguiu ser único e universal ao mesmo tempo?

Eu acho que consegui fazer à minha maneira mesmo, sempre com
os pés no chão, sempre com humildade, tentando fazer o que eu gosto. Você criar
um hit ou coisa desse gênero é difícil, você nunca sabe o que vai acabar sendo
hit. É muito complicado.

Eu não acredito, por exemplo, que se o Daft Punk não tivesse
tido a mídia que teve faria todo esse reboliço. Na verdade, eu sou um cara
muito tranquilo com isso. Eu tento fazer o que eu faço, fazer meu som e se deu
certo, legal, se não der, eu fico feliz também porque estou colocando aquele
certo momento dentro da minha música, uma coisa que eu vivi.

O sucesso pesa para você em algum momento, ser apontado o
tempo todo como o maior DJ do Brasil? Você pensa nisso às vezes ou nunca?

Na verdade, não paro para pensar nessas coisas. Para ser
bem sincero, a única coisa que eu paro para pensar são nas contas que chegam em
casa (risos). É verdade. Eu não sou muito
dessa pegada.

É igual meu filho, às vezes a gente sai na rua e às vezes as
pessoas me param na rua, pedem autógrafo ou coisa parecida, ai você é o Marky.
E ele fala, ai, pai, de novo. Ele não tem muito saco para essas coisas. Mas eu
acho legal quando você tem o trabalho reconhecido. Eu acho superbacana.

Eu sou muito tranquilo com esse lance das pessoas falarem
que eu sou o melhor DJ isso e aquilo. A única coisa que eu quero ver é outros
DJs que me surpreendam. Eu, por exemplo, gosto muito do Murphy, do Snoopy, que
tocam tecno. Gosto muito do Andrezz, que é um menino que toca drum
and bass, das produções do Fabio Djchap, que está fazendo um
trabalho excelente.

Coisas que me supreendem. Eu gosto muito do Fabio Castro,
mesmo não sendo na minha linha. O Wehbba, o menino do Rio, o Kriptus está
fazendo umas coisas muito legais. Também o Renê da DJ Ban. Quer dizer, está todo
mundo fazendo uma coisa diferente, bacana. Acho que isso que é legal.

Você acha que o futuro da eletrônica está garantido?

Eu não sei. Essa é uma pergunta muito difícil. Porque na
verdade hoje o que eu vejo é que a música não vem em primeiro lugar para as
pessoas, provavelmente como era dez anos atrás. Isso eu estou falando de Brasil.

A música não vem em primeiro lugar. Antes as pessoas saíam para
ver um certo DJ. Ah, meu, aquele DJ vai tocar, vamos lá. Hoje não tem mais muito
disso. 

E às vezes isso me deixa chateado, me dói um pouco. A única
coisa que eu quero é que as pessoas valorizem os verdadeiros talentos, as
pessoas que estão aqui não para ficar fazendo chacota. Que são profissionais
que estão tentando fazer um trabalho bacana.

Você quis misturar estilos no seu festival para mostrar que
tudo é uma coisa só?

É bem isso. Tecno não morreu, drum and bass não morreu, jazz
não morreu. Tudo está aí, pode não ser mainstream, mas tudo está aí. A gente
está fazendo as festas, basta a pessoa querer se informar e conferir.

O lance de você fazer sucesso lá fora é um chamativo para
que te valorizem aqui?

Deveria ser porque tem alguma coisa errada. Às vezes me
falam, Marky você é um puta DJ, mas cara você podia fazer alguma coisa
diferente. Sei lá, tocar com saxofonista, um violonista no seu set. Aí eu
penso, mas como é que eu vou usar um músico em cima de uma música que está pronta?

Para mim não faz sentido, a música está pronta. Eu tenho que chegar lá, tocar,
eu tenho que saber fazer a pista, que saber levar esse público ao êxtase, esse
é o trabalho do DJ, eu sou um disc-jockey. É isso que eu tenho que fazer. Eu
não preciso de nenhum aditivo dessa maneira.

Eu preciso de um
músico quando eu vou para o estúdio ou quando eu vou fazer um live P.A., vou
montar uma banda. Aí eu preciso de músicos e vou querer os melhores músicos,
vou querer fazer um negócio legal, como eu fiz o Technostalgia (com Eduardo BiD)
ou quando eu e o Xerxes fizemos o show do nosso disco ao vivo com o João Parahyba (percussão), MC Stamina, Nilce Carvalho (piano), Janja Gomes (violão)… Era
uma coisa diferente, era um propósito diferente.

Agora, eu não preciso discotecar com isso e aquilo. É a
mesma coisa que às vezes eu não entendo muito, a galera põe um monte de vídeo. Eu acho que o DJ acabou deixando de ser importante. Na minha opinião,
eu vou para lá para ver o cara tocar, eu vou para ouvir a música, eu não vou
para ficar olhando para o telão.

Eu odiava no fim dos anos 80, começo dos 90, quando tinha
uma sessão de lenta e o nego pegava  e
colocava os vídeos no telão. O cara vai tirar a mina para dançar e ficar olhando
para o telão? Não tinha o menor sentido para mim.

Eu ficava me questionando
sobre essas coisas. Por causa disso que eu acabei tentando desenvolver uma
técnica de tocar para chamar a atenção das pessoas. Olha, eu sou o cara aqui. Olha o que eu eu estou fazendo
para vocês, olha o que eu estou dando para vocês. Meu, é um presente. E vocês
me dão um presente de volta que é a energia de vocês.

Na verdade essa
comunicação DJ e pista é a coisa mais fundamental. Porque se a pista está ruim,
o DJ não passa nada. Mas se a pista está boa, o DJ te passa uma alegria, te
passa uma coisa que você vai falar, “meu, fui nessa noite, e ouvi um DJ
maravilhoso, isso e aquilo”, entendeu? Não precisa ser também um DJ gringo, o
DJ brasileiro sabe passar isso muito bem. Na verdade, até os gringos estão
aprendendo isso com a gente.

Que dica você daria para um moleque que está começando agora
e gostaria de um dia ser um DJ Marky?

Cara, acreditar no que você toca. Gostar de música,
principalmente. É sempre bom você ouvir de tudo um pouco, por que acho que de todos
os estilos há coisas legais e coisas ruins. Você tentar tocar algo diferente,
algo que não seja mainstream. Porque para tocar o que os outros tocam, meu, você
só vai ser mais um, entendeu?

Eu acho que essa diferença é o que conta. O que eu vejo
hoje? Tem um milhão de DJs só que não tem diferença de um pro outro. Você sai na
noite de São Paulo, por exemplo, você vai em uma noite de house, não tem
diferença quase nenhuma de um DJ que toca ali, do DJ que toca na outra esquina.

E em relação à técnica, como desenvolver a técnica. Scratch
em drum and bass não é fácil…

É difícil fazer em qualquer estilo de música, em drum and
bass, em tecno, como o Murphy faz, na house. Tudo tem que ser dosado, na
verdade, que no final das contas, eu gosto de tocar música. Eu gosto de pitadas
de scratch. Porque se você faz muito enche o saco.

Eu acho que isso é uma coisa que você tem que sentir.
Praticar, se aperfeiçoar e explorar o máximo possível o equipamento que você
tem.

Se o seu filho resolver ser DJ, você vai ficar feliz?

Não sei. Vou te dar um exemplo, meu filho chega aqui, ele me
vê tocando com toca-disco, adora. Às vezes ele fala, pai deixa eu tentar? Aí, ele
vai lá, bota as músicas no pitch, ele mixa certinho.

Outro dia eu pluguei um CD player aqui e falei tenta mixar
com isso aqui. Aí, ele começou a mixar, ele tem oito anos e disse, “isso não
tem graça”. Como assim não tem graça. “É que você não põe a mão no disco, você
não movimenta a mão”.

Quer dizer, aquele lance de você colocar a agulha no disco,
você mudar, pegar, virar, marcar o disco no ponto certo, executar aquela
mixagem. É muito mais divertido você tocar com o toca-disco, sem demagogia nenhuma.
O cara que toca com toca-disco você olha é uma coisa, o cara que toca com CD
você olha, legal, beleza.

Não é demagocia, mas se uma criança de oito anos disse isso
para mim, que é o que eu penso, você imagina. Cada um toca com o que quer, quem
sou eu para chegar e dizer, todo mundo tem que ser assim, coisa de ditador,
coisa e tal. Mas eu vejo pelo lance de arte. O disc-jokey, o DJ, tudo que se
desenvolveu em cima dos toca-discos é fundamentalmente arte e acho que é isso que eu
estou querendo mostrar no festival.

Teve um momento na sua vida em que você pensou, eu quero ser
DJ, eu vou ser DJ?

Na verdade, eu queria ser baterista, eu queria tocar instrumentos.
Mas não tinha grana. E no começo dos anos 80, eu estava ouvindo a Bandeirantes
FM
e tinha esse programa que era o Estúdio 96, que depois virou Band Dance. Mas
quando era Estúdio 96 tinha os programas dos DJs, de segunda era o Silvio Muller,
de terça era o Ricardo Guedes, de quarta era o Grego, quinta era Chic Show, que
era o Quitão, e sexta o Iraí Campos.

Era todo dia, 22h. E quando eu escutei pela primeira vez os
programas eu ficava, meu, mas como é que consegue colocar uma música na mesma
batida da outra sem alterar a velocidade? Como que ele altera a velocidade? Foi
como começaram as minhas pesquisas. E foi quando eu falei, eu quero ser DJ. É
isso que eu quero ser.   

Serviço

Marky & Friends Festival

Quando: Nesta sexta (07), a partir das 22h

Quanto: R$ 60 (para mulheres) e R$ 80 (para homens). Ingressos podem ser adquiridos no site www.ticket360.com.br.

Onde: The Week, rua Guaicurus, 324, Lapa, São Paulo

Veja teaser da DJ Marky & Friends Festival


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DJ Marky fez festival e diz que sua missão é 'levantar' cena eletrônica