Um percurso pelas letras do músico argentino Charly García, nas quais a alegoria é a estratégia retórica principal, é a proposta do livro da pesquisadora Mara Favoretto.
Mara se viu atraída desde jovem pela obra de García, mas por não ser especialista em música, optou por analisá-la dentro seu próprio campo de estudo, uma vez que é formada em letras.
“Além de suas lembranças e de sua imagem como figura, me parecia que tinha que trabalhar muitíssimo mais com o que é sua obra”, declarou a autora argentina em entrevista à Agência Efe.
A partir daí, começou a estudar qual era a estratégia retórica que predominava nas letras do famoso roqueiro e se deu conta que era a alegoria, ou seja, uma figura que permite expressar ideias representando-as com formas humanas, animais ou objetos.
Além disso, a proposta de Mara em “Charly en el país de las alegorías” é demonstrar que esta figura literária não é só uma “ornamentação estilística”, mas também um elemento que estimula o pensamento, além de ter uma função didática e, no caso de García, de resistência.
Longe de ser uma biografia do músico argentino, o livro de Mara propõe então um percurso pelos diversos tipos de alegorias presentes em sua obra.
Para o estudo, a autora divide a trajetória de García em um período que vai de 1967 a 1982 e outro de 1983 ao presente, uma classificação nada perigosa, pois a primeira parte envolve dois governos de fato na Argentina.
Precisamente, a última ditadura que o país viveu, entre 1976 e 1982, é apontada tanto pela autora como pelos críticos como condição para o desenvolvimento de um estilo nas letras de García.
Perante a impossibilidade de transmitir suas ideias de forma direta, o músico adotou a alegoria como a figura retórica principal em suas letras, o que com o tempo se transformou em um de seus selos característicos.
“Charly começou a escrever desta forma porque não lhe restava outra. Foi sua estratégia para expressar uma crítica política que não poderia ter dito de outra maneira”, declarou a autora.
Já no retorno à democracia, García “continua com esta maneira de escrever alegoricamente, mas o inimigo muda”, analisou a pesquisadora.
Nesse sentido, as letras já não são “contra o governo do momento”, o inimigo vai mudando, “mas sempre há uma busca da liberdade e a beleza”, especificou Mara Favoretto.
Segundo a especialista em cultura popular, Charly García também “constrói a figura de um herói alegórico”.
“Os heróis ao longo da história têm três características fundamentais: uma missão, um inimigo contra o que lutar e uma série de máxima e doutrinas”, detalhou.
Para Mara, no caso de García se veem todos esses elementos, já que além do “inimigo” também “há frases que agora usamos na linguagem comum e que provêm de suas canções”.
Quanto à missão deste “herói alegórico”, a pesquisadora acredita que, apesar da natureza contestatória do rock como movimento de contracultura, muitas vezes este se transformava em um produto mais de consumo.
“Quando Charly viu que isto ia lhe acontecer porque era inevitável decidiu tomar as rédeas de sua própria fama”, explicou.
A pesquisadora também lembra que García combina “o melhor do clássico com o moderno e o pós-moderno, atravessa estilos, cruza gêneros e alcança um efeito enigmático com suas palavras” através de uma mistura “do absurdo e do sem sentido” com fins didáticos.
Além de ser professora na Universidade de Melbourne, na Austrália, Mara Favoretto é autora de vários artigos de pesquisa sobre os cruzamentos entre política, poder e música popular na Argentina.