Zaza Jardim é uma artista brasileira de 44 anos que encontrou nos confins de Portugal o seu ninho para distribuir conhecimentos em arte natural. Ela percorreu mais de dois mil quilômetros em terras portuguesas, coletando materiais em estradas e caminhos de cidades como Fátima, Peniche, Cascais, Estoril e Nazaré, cidade onde acabou se fixando, além de procurar também em grutas como as de Mira D’aire e da Moeda. Catalogou 17 tons de pigmentos naturais e agora apresenta esse material publicamente para criar uma lei de proteção e uma associação de monitoramento, expedições e catalogação científica e pedagógica.

Com a descoberta dos pigmentos minerais, nasceu o Pergaminho Bio. Uma exposição sobre o assunto, chamada de Luz em Terras em Pergaminhos Bio, abre nesta semana, no dia 13 de fevereiro, em Nazaré, e ficará aberta ao público até o dia 23 com disponibilidade de aquisição imediata de obras também pela internet. Pelos Correios, ela faz o envio para qualquer lugar do planeta.

Sua arte de reciclagem de fibrilas celulósicas, um trabalho 100% natural, sem o uso de químicas, chegou ao Carrousel do Louvre em Paris por três vezes nos últimos anos. No Sul da França, realizou uma exposição com pigmentos colhidos nas regiões de Lascaux, PechMerle e Collonges La Rouge, criando obras em um atelier montado em uma floresta em Chartrier-Ferrière.

A reportagem do Vírgula conversou com Zaza, que falou mais sobre o seu trabalho.

Vírgula – Como você foi parar em Portugal?

Fui empresária no Brasil por mais de 20 anos, prestando serviços para multinacionais com palestras e produção de eventos. Foram mais de 1500 eventos em todos os setores da economia, de automóveis a criação de equinos. Meu pai era comandante de avião e na década de 70 eu já tinha tido o privilégio de conhecer o Brasil de ponta a ponta e mais três continentes. Assim, percorro o Brasil e o mundo desde que nasci.

Em 2012, fui convidada para expor no museu do Louvre, em Paris, e foi a chance que faltava para levantar voo. Foram mais de 30 viagens, cruzei cinco vezes o Oceano Atlântico indo e vindo. Nesse meio tempo, em pesquisas que estava realizando, fui recebida por cores em todos os cantos de Portugal e colhi pepitas de cores. Estou hoje em uma cidade em que não conhecia ninguém.

Eu não vim a trabalho, nem para estudar em uma universidade, nem porque tinha um namorado, nem tampouco um amigo. Eu cheguei aqui pelo cheiro, precisava chegar aqui. Nazaré apontava como uma antena. Quando cheguei aqui nesta vila de pescadores com 10 mil habitantes não consegui mais sair.

Quando me fixei, em novembro do ano passado, montei um laboratório no meu apartamento, que inclusive pode ser observado em meu diário de imagens. Nasceu assim o “Luz em terras”, nome que dei ao fato histórico de ter descoberto as terras de Portugal em pigmentos minerais.

Vírgula – Sua arte é chamada de Bio Art. Fale mais sobre esse conceito, por favor.

O conceito Bio Art é bem forte aqui na Europa, aprendi sobre ele fortemente no sul da França, e mesmo sem saber já estava totalmente inserida. É um conceito que respeita o ciclo da natureza. Constataram que meu trabalho era bio por trabalhar com a água, secar ao sol, esculpir com a chuva e pela pesquisa com pigmentos minerais.

No Sul da França, montei um ateliê na floresta. Criei o conselho da natureza em grutas de pastoreio de séculos que ficam espalhadas pelas fazendas. Recebi a visita de animais silvestres nativos como em um conto de fadas.

Vírgula – Como você começou a trabalhar com isso?

O processo de reciclagem ainda muito utilizado inclui o uso de amônia, cloreto de sódio e fervura. Tomei a decisão de só trabalhar com reciclagem natural. Foi assim que dei continuidade na criação de mais 40 técnicas e uma série de tecnologias até mesmo industriais que defendem e provam a possibilidade de processos de reciclagem e produção 100% naturais.

Ou seja, sem o uso de produtos químicos e com total atenção e proteção dos resíduos gerados pelo processos, que não poluam a água, o solo, nem tampouco a atmosfera, prevenindo a saúde humana também dentro dos processos aplicados, protegendo a vida, tanto do ser humano quanto do planeta.

Vírgula – E como é que você conseguiu que este trabalho tivesse visibilidade junto aos órgãos oficiais?

No dia 13 de dezembro de 2013, entreguei minha pesquisa na Biblioteca Municipal de Nazaré a titulo de documentação histórica. Agora, estamos encaminhando para os ministérios e departamentos competentes para gerar a lei de proteção – que já existe para as algas aqui no território português – e, finalmente, poderemos proteger e aprofundar as expedições para documentar um sem número de cores e minerais jamais analisados nem na época medieval. Mas tudo é muito pontual, oficial e em conjunto com as entidades responsáveis.

Vírgula – O que você quer transmitir com o conceito de Bio Art?

A gente precisa parar de achar que se compra felicidade e saúde. Nascemos perfeitos, plenos e capazes. O ser humano precisa saber que ser natural é mais importante. No milênio passado com o capitalismo exacerbado venderam uma felicidade e não entregaram. Esse ciclo teve seu tempo e acabou.

Somos a geração da virada do milênio: há uma nova semente sendo germinada para as próximas gerações. O ser humano precisa entender que o ter não é ser. Ele já nasce ser, precisa reestabelecer valores de honra e dignidade, de cuidado e de carinho. A felicidade está nessa rotina de cuidar de si, dos que estão em volta, e de cuidar do planeta. Eu criei como filosofia na prática, na tríade do ensinar, aprender e cuidar.

Precisamos nos compreender mais, dialogar e parar de fazer de conta que somos perfeitos. É preciso ver que nos deturpamos com essa escala de valores do milênio passado. A minha melhor arte foi ter aberto mão de tudo e ficar com nada e no nada descobrir tudo.

A Zaza na sua reciclagem de papéis me ensinou muito como ser humano… Sim, Zaza tem quatro anos na minha vida. Reciclamos juntas pensamentos, conceitos, teorias e dali vemos o que sobra. Nascem documentos em arte: os papiros, os pergaminhos bio e o diálogo pleno com a natureza. Eu não troco isso por nenhum carro zero, nenhum anel de diamantes.

Prefiro comer uma fruta ao pé da praia a um caviar em um hotel de luxo. E digo isso com conhecimento de causa, pois eu circulei em todas as esferas a vida toda.

Vírgula – Como é esse trabalho, como coletou materiais para esta exposição?

Como você pode ver, eu já estava com pigmentos que na verdade são ainda só para documentação. Tenho comigo pigmentos que comprei na França, ganhei de pesquisadores algumas amostras mágicas de pigmentos que nao sei a origem.

Se isso não bastasse, passeando na praia ao pôr do sol todos os dias eu fui descobrindo muitas coisas. Coisas trazidas pelas ondas e deixadas pelas gaivotas. Descobri que as aves deixam histórias com o tempo. É incrível porque existem desde penas-bebês que parecem plumas, sejam brancas ou com tons marrons e cinzas, até as mais fortes.

A pergunta que fica é de que parte do corpo esta pena é? É uma pena nova em uma ave madura? Aí você começa a ver o tempo e o vento interferir nas suas marcas, no corte nas bordas das plumas rijas, na docilidade dessa riqueza. Aí eu percebi que nunca vi ou li nada sobre este estudo.

Me perguntei: Será que um biólogo mergulhou nessa pesquisa? Não pode ser coisa só de taxidermista, precisa ter uma poesia plena nessa visão. Então estão todas as penas coletadas, higienizadas. Eu senti o cheiro delas juntas aos montes no meu ateliê, peguei todas e coloquei de molho em água oxigenada, escovei uma a uma. Um pouco de vinagre, um pouco de lixívia, que é cândida, e limpei todas como fazemos com as alfaces. Sequei ao sol e apliquei nos pergaminhos. O resultado desse comecinho de pesquisa estará na exposição que abrirei no dia 13.

Vírgula – De onde surgiu a ideia desta exposição?

Eu tenho muito a dizer, a dialogar. É muito solitário ver tudo isso ali disponível e as pessoas nunca terem percebido. Essa percepção precisa ser dialogada, compartilhada e somada e é preciso contactar geólogos, biólogos, gente de decisão que venha compartilhar seus conhecimentos para crescermos, para essas descobertas não serem só uma coisa bonita a ser dita mas que seja importante para o desenvolvimento de mercados, que tenham até investidores que apoiem essas iniciativas e que isso seja meio de subsistência de comunidades.

O contato com a natureza é fundamental para que possamos respeitar o outro, o vizinho, o amigo, o filho, e o planeta em que vivemos. Precisamos investir na docilidade da vida. O jogo do espertinho que pisa no ingênuo acabou.


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