A ex-doméstica Marli Souza Silva, 30 anos, é baiana da cidade de Ipirá e fã de música eletrônica e seresta, em especial de Orlando Silva e Silvio Caldas. Casada há 11 anos e hoje dona-de-casa, mãe de dois filhos, cursou até a 5ª série e nas horas vagas gosta de cultivar ‘plantas estranhas’ em seu jardim. Mais: ela foi um dos grandes fenômenos de popularidade do YouTube, em 2006, quando seus clipes acumularam mais de meio milhão de visitas, números de destaque em uma época que a rede social estava apenas começando. Seis anos após surgir como hit da web, Marli está de volta e lança nesta segunda-feira (11), o álbum Maremotrix, seu oitavo álbum. 

Desde então, Marli firmou-se como revelação do “trash inteligente” brasileiro. Sua carreira começou a partir da amizade com o estudante Antonio Augusto Farias, filho de seu patrão, que se empolgou ao encontrar um caderno com versos escritos pela sua antiga funcionária em 2002. Com essa aproximação, Marli conheceu nomes como Madonna, Björk e Tori Amos. Essas foram as inspirações para faixas como Bertulina, Linha Direta e O Amor Está no Ar, que são misturas inusitadas entre humor negro, surrealismo e obscuridade. Tudo bem complicado de encaixar em qualquer gênero musical. 

“Acho que nenhum rótulo seria bom”, contou Antonio sobre os sons de Marli, em entrevista ao Virgula Música. “A tendência das pessoas a encaixar as coisas em um gênero ou estilo é irritante. O divertido é que a gente sempre tenta trazer algo diferente, um novo conceito, uma nova sonoridade, e novas ideias pra cada trabalho. E é gratificante poder observar as reações diferentes dos fãs. Alguns gostam das músicas mais escrachadas e explícitas, com um teor mais cômico, outros gostam das músicas mais sombrias, outros preferem as canções mais calmas e sérias, e por aí vai”, defendeu.

Polêmicos

Moradores de Feira de Santana, também na Bahia, Marli e Antonio produziram juntos oito álbuns, todos lançados apenas virtualmente: Rainha das Trevas (2002), Virgem Brasileira (2003), Eu Gosto de Louvar (2003), Colostro (2005) e O Céu de Anastácia (2007), Instalações Noturnas (2010), Mais Um Presente no Saco (2010) e Maremotrix (2013), todos lançados pela gravadora fictícia Furacu Records. Desses, surgiram muitos clipes: Linha Direta, O Amor Está no Ar, Galáctica, Além do Arco-Íris e, o recém-lançado, Macumba Pirata. As canções passeiam por motes polêmicos, como religião e sexo. Todas podem ser baixadas gratuitamente na internet aqui.

Autodidata, Antonio produziu todas as canções de Marli, além de ter dirigido os clipes sob o pseudônimo Witched. “Aprendi tudo sozinho, aos poucos, movido mais pela curiosidade”, revela. “Sempre tive contato com gente que trabalha com produção de música e vídeo, e isso ajudou bastante. Nunca fiz cursos e, na verdade, não tenho tanto conhecimento técnico de produção. Muito do que eu faço é intuitivo, quase lúdico mesmo. Mas, estou sempre procurando novos recursos para aperfeiçoar a produção das músicas e dos vídeos, assim como novas ideias para o site e para a divulgação.”

Sobre o dinheiro para as produções, Antonio conta que tudo sai de seu bolso: “Não rola grana. O custo da nossa produção é quase zero. É tudo feito por mim, em casa, com o que tenho à mão. Tive a iniciativa de pedir doações agora pra ajudar com a manutenção do site, que sempre mantive no ar tirando do meu próprio bolso. Nunca tive a intenção de cobrar pelo conteúdo, mas uma ajudinha pra manter tudo em ordem é sempre bem-vinda. Quem acompanha a gente sabe como funciona o projeto”, explica.

Em relação as influências que permeiam o trabalho em parceria com Marli, o produtor conta que grande parte de sua inspiração vem de filmes de terror. “Cada álbum tem influências diferentes, depende muito da ideia que serve de base pra cada um. Eu absorvo tudo das coisas que consumo, seja da música, cinema ou literatura. Talvez por eu ser fã de terror a coisa tenha essa tendência obscura, algumas vezes até bizarra. Mas, é o tipo de projeto que, pela combinação atípica de elementos, acaba sendo visto como bizarro, não importa o conteúdo. E eu entendo que as pessoas pensem assim”.

Shows?

Mesmo com a popularidade crescente, shows até agora não haviam sido considerados por Marli e Antonio. Porém, a possibilidade de realizar espetáculos passa a ser observada com mais carinho pela dupla. “Tenho pensado nisso, mas como faço tudo sozinho, surgem várias questões técnicas e financeiras que complicam o planejamento de um show por enquanto”, conta Antonio. “Mas, é uma possibilidade! Quem sabe mais adiante?”, considera.

Antonio é muito cuidadoso em relação a quaisquer intenções de exposição pejorativa de Marli. “Já recusei propostas de matérias para a TV porque percebi que a intenção não era das melhores”, conta. E rumar da Furacu Records para uma gravadora de fato passa pela cabeça da dupla dinâmica? “Depende da proposta”, conta Antonio. “O mais importante para nós é a liberdade que temos na Internet, a possibilidade de fazer e publicar nosso trabalho de forma descompromissada”, aponta o produtor. “A gente faz o que bem entende. Depender da aprovação de alguém e ter limites impostos vai contra o objetivo do nosso trabalho. Não acho provável que surja uma proposta tão aberta e flexível de uma gravadora, por exemplo. Outro ponto importante é a forma de divulgação. É preciso levar tudo isso em conta, antes de dar um passo tão importante”, conclui.


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