A música de Daniela Mercury evoluiu demais desde o longínquo ano de 1988, quando a cantora estourou nas rádios da Bahia com o sucesso Pega Que Oh!, lançado por sua antiga banda Companhia Clic nos primórdios da axé music, estilo musical que ganhou força de maremoto no início dos anos 90.

Vinte e um anos depois, Canibália chega às lojas mostrando vários lados da musicalidade da musa baiana, que virou símbolo do crossover da música baiana rumo aos paraísos da música eletrônica. Mesmo que o CD tenha regravações de clássicos do tamanho de O Que que A Baiana Tem?, escrita por Dorival Caymmi há mais de quatro décadas.

Com 44 anos bem vividos, Daniela está feliz da vida com o resultado final deste seu 13º disco. Ela falou com o Virgula Música sobre Canibália, as parcerias com Seu Jorge e Wyclef Jean e também a morte de Ramiro Mussoto, percussionista e produtor argentino, amigo de longa data de Daniela, que morreu em setembro deste ano.

Como estão os primeiros passos da divulgação de seu novo disco?
Muito feliz, feliz demais (risos). O disco já vendeu mais de 10 mil cópias em quatro dias. Sempre fico animada a cada investida de divulgação que faço. Agora estamos na expectativa do que as pessoas vão achar. É a hora da vera, né? (mais risos). É a hora ver se valeu todo esse trabalho que a gente teve pra lançar o disco. Particularmente, eu estou muito feliz com o resultado, mas sou muito suspeita.

O release do CD fala sobre síntese. Você acredita que Canibália é a maior coleção de influências que já colocou em um disco?
Acho que não. A síntese do disco é mesmo a do meu espírito. O nome já é uma maneira de abraçar de todas as fusões que fiz na vida. Sempre desenvolvi meu trabalho em cima da percussão baiana, mas tento realizar os trabalhos sem respeitar fronteiras. Desde sempre, me entendo como uma cantora muito eclética.

Você ficou conhecida no mundo todo como uma cantora brasileira que rompeu com os limites da música nacional…
Exatamente. Nunca me prendi a nenhum gênero. Tomei o samba-reggae como base para o meu trabalho por gostar muito de batuque. Também gosto muito de dança, sou bailarina clássica de formação. Sempre busquei trabalhar com ritmos que proporcionam esse diálogo rítmico. Para mim, Canibália é um olhar claro para uma artista múltiplo.Os brasileiros sempre foram muito antropofágicos. Esse é meu objetivo. Transformar meus discos em memória do futuro… Trabalhar de maneira que as músicas pareçam que foram escritas ontem, hoje, amanhã…

E como foi levar a música do Chico Buarque para um universo tão diferente? O que ele disse da sua versão de O Que Será?
Ainda não tive o retorno de Chico. Infelizmente, não encontrei com ele desde a regravação. Vou ter que deixar essa em aberto (muitos risos).

Essa não foi sua primeira versão de uma música dele, certo?
Quando eu fiz o Clássica (2005) eu regravei duas versões dele (Retrato em Branco e Preto e Atrás da Porta). Sempre que eu regravo alguma música, tento usar arranjos com interferências. Dessa vez eu fiz uma leitura meio rap da música do Chico. Não é muito elegante (muitos risos). Mas ele é uma pessoa muito inteligente e um músico muito talentoso. E O que Será é um clássico belíssimo. Conheço todo o repertório de Chico, na verdade. Tive a chance de cantar essa canção no carnaval e foi maravilhoso. E essa música é eterna, né? Já tem trinta anos…

É impressionante como essa música, assim como grande parte do repertório do Chico Buarque, continua atual…
E O Que Que A Baiana Tem já tem quarenta anos! Eu me impressiono com isso. Nos shows, eu canto Tempo Perdido, Como Nossos Pais e Eu Nasci há 10 Mil Anos Atrás e ainda vejo como, em plena era da internet, as pessoas continuam se emocionando com essas músicas. As obras de Chico e Caymmi são eternas e atemporais. Regravar esses artistas é sempre um desafio enorme. Na verdade, é mais que isso. É uma responsabilidade. É como fazer uma releitura de um quadro de um grande artista. O Que Será é uma das músicas que eu mais gosto.

Como rolou o contato com Wyclef Jean? Como foi trabalhar com uma lenda do hip hop?
Conheci o Wyclef quando me apresentei na entrega do Nobel da Paz, na Noruega. Cantei uma música com ele, Natalie Imbruglia, Paul McCartney e um monte de gente. Depois, ele estava fazendo um disco do Carnaval, com uma pesquisa que passou pelo mundo todo. Fui encontrá-lo e fizemos cinco músicas juntos em Nova York. Foi legal porque ele tem um método parecido com o meu: gosta de chegar e criar. Quando cheguei, ele tinha trechos e bases bem curtas. Falou para mim “Daniela, entre ali e improvise” e foi rolando. Como eu, ele é muito canibalista. Mistura coisas diferentes e é haitiano, por isso entende o que faço. Ele conhece e gosta muito da música da Bahia. Voltei lá no fim do ano passado para retribuir a gentileza e chamá-lo para gravar comigo. Fizemos a mistura da música baiana com funk e hip hop, construindo a música de forma espontânea. Life Is Beautiful foi realmente uma parceria. Fiquei muito à vontade com ele.

Ramiro (Mussotto) também produziu algumas faixas do seu dísco. Gostaria que você falasse um pouco sobre o método de trabalho dele e sobre seu sentimento com essa perda
Pra mim, não é fácil falar do Ramiro. Logo me emociono. Ele foi um grande amigo e produziu discos comigo desde 1995. Tínhamos muitas coisas em comum e pesquisamos a música eletrônica no mesmo período. Foi uma grande perda vê-lo indo embora muito jovem e com um trabalho lindo. Fazíamos tudo juntos. Era uma grande figura.

Como foi a participação dele neste disco? Com certeza, foi um de seus últimos trabalhos…
Sim! Nós gravamos Samba da Minha Terra. As ideias minhas se misturavam com as dele, seguindo minha maré. Era um processo bem parecido com a parceria com Wyclef. Fomos desconstruindo as ideias dele até chegar onde a gente chegou. Desta vez, fizemos as músicas passo-a-passo. Era uma parceria muito grande. Não tinha o jogo de vaidades, desses de quem quer fazer as coisas. Com a gente, prevaleceu o mais bonito sempre. Na arte não há certo e errado, nem bem nem mal.


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Daniela Mercury fala sobre criação e parcerias de seu novo CD, Canibália