Nick Drake nas sessões de fotos para o disco Five Leaves Left


Créditos: Keith Morris

Nick Drake é, sem dúvidas, uma das maiores inspirações musicais na minha vida. Conheço a obra do chamado troubadour há mais de 10 anos, mas a intimidade com suas músicas me dão noção de um tempo ainda maior. Como se estivesse ali, em Tanworth-in-Arden, cidade natal do músico, entre as árvores daquela paisagem bucólica que tanto o inspirava. Tenho toda sua discografia, contando com discos de material raro e versões inacabadas, me perdi em inúmeros artigos sobre sua breve passagem na música e já li a biografia escrita por Patrick Humphries. Foi quando me veio a pergunta, como ainda não escrevi nada sobre ele sendo eu um jornalista ligado à cultura? Justamente alguém que escuto diariamente pelos longos anos citados.

Para compensar, um pouco, essa falta, resolvi escrever sobre o nascimento oficial deste grande artista na música. Foi no dia 1º de setembro de 1969, ou seja, há exatos 42 anos, que Nick Drake lançou uma de suas obras-primas (sim, porque Bryter Layter e Pink Moon formam essa trilogia). O tímido estudante de Literatura da Universidade de Cambridge, que aprendeu violão, piano, clarinete e saxofone, conheceu uns músicos que o apresentaram ao produtor Joe Boyd, o “homem” por trás de seus três discos e grande incentivador de sua carreira.

Entre conversas, rodas de maconha e shows em bares, Drake fechou um acordo e levou para o estúdio grandes músicos da época, como o guitarrista Richard Thompson (Fairport Convention), o baixista Danny Thompson (Pentangle), o multi-instrumentista do Curved Air, Tristan Fry, e Robert Kirby, amigo pessoal, responsável pelos arranjos de cordas. Nasceu aí Five Leaves Left e as belas canções Day is Done, Way to Blue e The Thoughts of Mary Jane.

Apesar do disco ser considerado um marco do movimento folk-progressivo britânico, que incluiu os próprios Fairport Convention, Pentagle e o também cultuado John Martyn, Nick não se moldou ao rótulo e criou uma sonoridade própria, marcada pelo forte dedilhado no violão e letras e melodias que combinavam com sua personalidade introspectiva. Influências não faltavam, claro, e iam de Bob Dylan, Phil Ochs, Jackson C. Frank e cantigas dos anos 50 a The Yardbirds, mas o disco variava seus estilos e resultava em algo de grande personalidade.

As canções do disco falam desde a sua rotineira viagem de seu vilarejo a Londres, em Three Hours (ou seria sobre seu amigo Jeremy?), sua relação com a maconha (?), em The Thoughts of Mary Jane, até suas observações do cotidiado quando estava na capital, em Day is Done, a melancolia que o envolvia em Way To Blue e a épica e literária River Man, considerada por Nick o centro do álbum.

No entanto, a mais impressionante é sua visão da fama, em Fruit Tree, que seria uma espécie de pressentimento do que aconteceria com sua carreira: Fame is but a fruit tree / So very unsound / It can never flourish… Fruit tree / No one knows you but the rain and the air / Don’t you worry They’ll stand and stare when you’re gone, traduzindo livremente Fama é uma árvore frutífera / Tão estática / Que pode nunca florescer… Árvore frutífera / Ninguém te conhece, só a chuva e o ar / Não se preocupe / Eles irão parar e perceber quando você tiver ido. Ou em Time Has Told Me: Time has told me / You’re a rare rare find / A troubled cure / For a troubled mind, traduzindo O tempo me disse / Você é um achado raro / Uma cura problemática / Para uma mente problemática.

Curiosamente, na época do Bryter Layter, Drake mostrou-se insatisfeito com o resultado do primeiro disco. Não apenas pela inexpressiva venda e grande expectativa com a mesma, mas porque achou que toda a orquestração era dispensável, já que ele queria algo mais orgânico, semelhante ao que fez com Pink Moon. Se Nick imaginasse o culto em torno do disco e quantas vidas foram tocadas por tão belas canções, teria tido uma partida menos dolorosa. Ou talvez estivesse até hoje por aqui nos presenteando com suas melodias.

O título do disco

Há algumas teorias acerca do título Five Leaves Left, a mais citada é que seria uma referência aos pacotes de seda para cigarros Rizla, que avisava ao consumidor quando restavam apenas cinco folhas. Como bem sabemos, elas são usadas muitas vezes para enrolar baseados e Nick Drake foi usuário por anos – muitos deles em vício extremo – e era, possivelmente, uma das suas grandes inspirações (muito se fala que The Thoughts of Mary Jane era uma ode à erva, já que Mary Jane é sinônimo de maconha).

Patrick Humphries, o biógrafo, aponta outra possível versão. Que o título teria sido inspirado no romance A Última Folha, escrito pelo autor americano O. Henry e publicado em 1907. Nele, uma jovem pintora está morrendo de pneumonia e o que a mantém viva é observar uma erva crescer no jardim, mas à medida que a vegetação esmorece, seu estado de saúde piora. Segue abaixo um trecho tirado do livro, presente na biografia:

— Elas estão caindo rapidamente agora. Três dias atrás tinha quase cem. Me deu até dor de cabeça contá-las. Agora restaram apenas cinco. 
— Cinco o quê, querida?
— Folhas. Na videira. Quando a última cair eu devo partir também.

Reconhecimento tardio

Five Leaves Left ficou em 85º lugar em uma pesquisa realizada em 2005 pela emissora inglesa Channel 4, para determinar uma lista dos 100 melhores álbuns de todos os tempos. Em 2003 ficou em 283º lugar na lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos da revista Rolling Stone. O album também é o 150º citado na lista do livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer de Robert Dimery.

A NME (New Musical Express) colocou o disco no 74º lugar no ranking Melhores Álbuns de Todos os Tempos. Isso tudo sem contar as enfáticas declarações de amor de músicos como Robert Smith, do The Cure, Peter Buck, do R.E.M. e Paul Weller.

Todo ano, cantores de vários lugares do mundo se reúnem em um festival na Igreja próxima à casa onde Nick cresceu, em Tanworth-in-Arden, e local onde foi enterrado. São cantadas versões de suas músicas como forma de homenageá-lo.

Audiovisual

Não há um registro sequer de Nick Drake se apresentando ou mesmo falando. Logo, não existem videoclipes de suas músicas, mas a Island Records bancou a produção de alguns, usando fotos de arquivo do cantor da infância à fase adulta em animações. O resultado é até animador, como em Way To Blue e River Man:

Assista ao documentário A Skin Too Few, sobre Nick Drake:

Escute o disco inteiro postado no YouTube:

Time Has Told Me:

River Man

Three Hours

Way to Blue

Day is Done

Cello Song

The Thoughts of Mary Jane

Man in a Shed

Fruit Tree

Saturday Sun


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Há 42 anos, Nick Drake nascia oficialmente na música com Five Leaves Left