A empreendedora paulista Gilsimara Carisa, da agência de viagens GirlsGo, ao centro da foto, com um grupo de mulheres viajantes em visita à Índia e ao Taj Mahal (Foto: Acervo pessoal Gilsimara Carisa)

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo (Setur-SP) compartilha a trajetória de quatro mulheres empreendedoras que têm feito a diferença no turismo paulista, um setor majoritariamente feminino (55%), segundo o Ministério do Trabalho, e que nos últimos anos tem tornado o setor de viagens mais inclusivo e sustentável.

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Em São Paulo, são 31 mil mulheres em atividades regulares relacionadas ao turismo e cerca de 25 mil homens, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A participação feminina é ainda mais numerosa em agências de viagem, operadoras de turismo, meios de hospedagem e no setor de alimentação.

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São histórias como a de Gilsimara, que criou a primeira agência brasileira de turismo especializada em mulheres e já realizou o sonho de mais de 2.500 viajantes; a de Anna Thereza, que conquistou os grandes chefs do país com a sua charcutaria e hoje atrai centenas de pessoas para degustar seus defumados, curados, maturados e embutidos, na estância turística de Ibiúna.

Também o esforço de Solange, empenhada em promover o afroturismo, e de Augusta, pioneira na criação de roteiros que valorizam a herança africana e o patrimônio étnico-cultural do estado. “A presença feminina é essencial para a construção de um turismo inclusivo e sustentável pois ajuda a moldar um futuro mais vibrante e acolhedor para todos os que visitam nosso estado”, afirma o secretário Roberto de Lucena, da Setur-SP.

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De acordo com documento da ONU Mulheres, promover a equidade de gênero no turismo fortalece as economias, impulsiona os negócios, melhora a qualidade de vida de toda a sociedade. “Tudo isso, além de promover o desenvolvimento sustentável em todo o setor”, reforça a secretária executiva Luciane Leite, da Setur-SP.

GASTRONOMIA REGIONAL

De Paula Charcuterie, da empreendedora Anna Thereza Monte Alto, de Ibiúna

“Quem me vê com planos de criar uma vila gastronômica no quintal de casa, não imagina que nosso negócio nasceu na pandemia, após a morte do meu sogro, em um momento bastante desafiador para todos nós. Montar o próprio negócio não é nada fácil. Meu marido foi estudar na Itália e passou a dominar a arte dos maturados e embutidos, mas eu sabia que era preciso muito mais para prosperar. Começamos vendendo para os vizinhos e aos poucos fomos dando passos mais ousados. Começamos vendendo online. Abrimos nosso empório. Hoje, temos um espaço para receber os turistas debaixo da copa de árvores. Eu tinha uma certeza, uma intuição minha mesmo, e sempre falava que era só uma questão de tempo para estarmos nos melhores restaurantes de São Paulo e do Brasil. As pessoas me olhavam meio desconfiadas, inclusive alguns amigos, mas nunca deixei de acreditar. A sensibilidade feminina, nesse caso, é uma enorme vantagem. Recentemente lançamos nosso “pignique”, que caiu no gosto dos turistas. Também passamos a oferecer nossos produtos para a melhor chef do mundo, Janaína Torres, eleita pela revista britânica Restaurant. Dá prá acreditar que nossa Mortadela e Salames estão na Dona Onça? Agora, nosso desejo é promover experiências cada vez mais marcantes para o visitante; ou como a gente fala por aqui, criar momentos à mesa, felicidade em cada fatia”.

AGÊNCIA DE TURISMO SÓ PARA MULHERES

Gilsimara Caresia, empreendedora da GirlsGo, agência de turismo só para mulheres, em São Paulo

“Troquei uma carreira consolidada no mercado financeiro por algo que eu não sabia se ia dar certo. Pedi demissão no banco e conheci mais de 110 países, realizando um sonho antigo. Quando voltei pra casa, recomecei. Criei do zero a primeira agência brasileira de viagens só para mulheres. Com muita vontade de querer dar certo, enfrentei a burocracia de abrir e empreendi em um negócio totalmente novo. Formatei alguns roteiros de grande procura, acionei meus contatos mais próximos e fui em frente. Meu público é bastante heterogêneo, mas elas se completam e a gente se diverte muito. Para se ter uma ideia, levo senhoras aposentadas, jovens meninas na casa dos 20, solteiras de todas as idades, um grupo razoável de casadas e de amigas. Em comum, elas têm o desejo de viajar e a insegurança de sofrer assédio, de ser roubada ou de passar por situações desagradáveis, por isso, se unem em uma rede de apoio só para mulheres. Meu trabalho é realizar sonhos de uma vida inteira, que muitas vezes foram colocados em segundo plano por conta das atribuições de trabalho e da família, da jornada dupla ou tripla da maior parte das mulheres. Já acompanhei mais de 2.500 mulheres em roteiros pelo Estado de São Paulo, pelo Brasil e pelo mundo. Coleciono histórias lindas de mulheres que passaram a ter confiança em si próprias depois de se permitirem viajar com outras mulheres. E agora alçam voo solo.

PROJETO COM RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

Solange Barbosa, da Rota da Liberdade, uma agência de viagens de Taubaté com foco no afroturismo

“Tenho 61 anos, sou viúva, mãe de quatro filhos e avó de oito netos. Trabalho há mais de 25 anos no setor turístico. Tudo começou em 1999, quando integrei a 1ª turma do ensino técnico em turismo João Gomes de Araújo, em Pindamonhangaba, e me formei no ano seguinte. Sempre fui apaixonada pelo desenvolvimento de projetos, e em 2003, quando entrei na faculdade de História, conheci um projeto da França, chamado ‘Rota Turística das Abolições’, que passava pelos cenários onde aconteceu o processo abolicionista no país. Pensei: imagina em São Paulo, que temos toda a história da abolição e toda a riqueza da cultura negra?! Então, em 2006 elaborei e lancei a “Rota da Liberdade”, agência de turismo com sede em Taubaté que realiza roteiros pelo Estado de São Paulo em locais que valorizam a história e o legado do povo negro. Naquele ano, aconteceu a nossa primeira excursão, no dia 27 de setembro, Dia Mundial do Turismo, com visita ao Quilombo Caçandoca, em Ubatuba. No início, nem todo mundo acreditava que daria certo, mas persisti e fui em frente. Apostei na valorização da história e da presença negra como vetor de desenvolvimento e gerador de emprego e renda. Em 2009, a Rota da Liberdade participou do desafio de geoturismo da National Geographic, e nossa iniciativa ficou entre os dez melhores projetos de geoturismo do mundo! Como não consegui o visto para receber o prêmio nos Estados Unidos, troquei a passagem e fui à França para receber o prêmio e conhecer a ‘Rota Turística das Abolições’. Além do reconhecimento, o que me marcou foi que uma das juradas do prêmio era a Wangari Maathai, a primeira mulher africana a ter um Prêmio Nobel da Paz. Dali em diante, nossa iniciativa cresceu, e atualmente, a Rota da Liberdade recebe principalmente viajantes negros, de diversas idades, que querem ter contato com a cultura negra. A grande maioria é de brasileiros e paulistas, e temos bastante turismo doméstico. Ao mesmo tempo, também recebemos muitos viajantes estadunidenses e ingleses. Hoje, a Rota da Liberdade realiza saídas mensais, trabalhando um roteiro a cada dois meses. Atualmente, são seis opções de passeios diferentes. Nós também recebemos demandas de empresas que trabalham a questão da diversidade. Muitos nos contratam e realizamos os roteiros com os colaboradores das empresas, para que eles tenham uma verdadeira vivência do que é diversidade. Quase 60% do nosso faturamento vem dessas ações. Outro serviço que oferecemos é a consultoria de projetos para o desenvolvimento de afroturismo. Para as mulheres que desejam empreender no turismo, meu conselho é que sejam fortes, que tenham coragem, pois o turismo é feito por mulheres, e em grande parte, por mulheres negras. São empresárias que trabalham o afroturismo; guias de turismo; chefs de cozinha. São Paulo é a capital da gastronomia, e nas cozinhas dos hotéis e dos restaurantes, a presença negra é muito forte. A base do turismo paulista é feminina e em grande parte, negra”.

PIONEIRA EM ROTEIROS DE AFROTURISMO NA BAIXADA SANTISTA

Augusta França, da Mochilando Afroculturas

Me reinventei por meio do turismo. Sou formada em Relações Públicas e, até me aposentar em 2019, aos 61 anos, eu estava secretária no Fórum da Cidadania de Santos, uma ONG da cidade. Antes, em 2017, conheci o segmento de Afroturismo participando de algumas caminhadas deste tema em São Paulo. Me encantei. Aposentada, com um acúmulo de informações sobre questões raciais, por participar do Movimento Negro na cidade há mais de 20 anos, comecei a aprofundar minhas pesquisas sobre o tema. Logo percebi que Santos tinha muita história sobre a cultura negra, mas não tinha quem as contasse de forma organizada e sistemática. Isso me incomodou, porque eu sabia que algo tinha que ser feito. Então, arregacei as mangas e no 1º semestre de 2020, em plena pandemia, decidi fazer o curso online de guia de turismo, na ETEC Guarujá. Em 2021, eu estava formada. Com o meu registro no Cadastur em mãos, mas um tanto tímida para começar, participei e passei num processo seletivo da Diáspora Black, no qual fui contemplada com oficinas de orientação. Isso foi fundamental para eu estruturar meu primeiro roteiro de Afroturismo e começar a trabalhar. Em agosto de 2022, a Mochilando Afroculturas, minha agência virtual de Afroturismo – como eu gosto de dizer – lançou o roteiro “Caminhada Quilombos Históricos de Santos”.

Reuni amigas, chamei minha família e acionei minha rede de contatos. Consegui mais de 15 pessoas para participar da primeira Caminhada por mim guiada. Foi um grande incentivo; como se eu dissesse a mim mesma: Augusta, você está no caminho certo.

Em 2023, a Mochilando lançou o roteiro “Caminhada do Engenho”, cujo ponto final é no Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, preservado pela USP. Hoje, passados pouco mais de 2 anos de criação, a Mochilando Afroculturas oferece 4 roteiros de Afroturismo em Santos, com assuntos diversos que se completam formando uma narrativa única da história da população negra em Santos. Sobre o perfil dos turistas que recebemos, ele é diverso, mas no recorte de gênero, na maioria mulheres. No recorte profissional, professoras, psicólogas, historiadoras, geógrafas e arquitetas, dentre outras (a forma feminina usada é em respeito à maioria). A faixa de idade está entre 25 e 55 anos, prioritariamente. A origem das participantes são principalmente capital paulista, Grande São Paulo e da Baixada Santista; mas já tivemos também turistas internacionais como viajantes nigerianos, colombianos, haitianos e até mesmo um casal formado por um norte-americano e uma paulistana.

Por fim, se eu pudesse dar um “conselho” para as mulheres que desejam trabalhar com turismo, diria para viverem experiências.

Nesse processo todo, o que mais me surpreende é como tenho conseguido armazenar tanta informação aos 66 anos de idade!

Assim, estudem o que vocês pretendem fazer, tenham vontade, comecem a vivenciar, de várias maneiras, aquilo que vocês querem trabalhar. No meu caso, foi o Afroturismo. Trocar ideias também é muito importante. Durante meus estudos, vi muitos vídeos da Gabriela Palma, da Sou+Carioca, que dá dicas de Afroturismo no Rio de Janeiro, e isso me fortaleceu bastante, ampliou meus horizontes. A rede social também tem este papel interessante de dar informações, então devemos aproveitar ao máximo. Portanto, mergulhe nesse mundo que você está interessada. Busque informações e troque ideias, que é o que nos fortalece. Para concluir, sou casada há 44 anos e meu marido, Léo de Oliveira, e meu filho, Caio França, trabalham comigo na Mochilando Afroculturas. Tenho três filhos e três netos. Moro e trabalho em Santos. E em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, faremos uma Caminhada no próximo dia 08 de março com o tema “Mulheres Negras: histórias e memórias do cotidiano santista”.


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Feito por elas: a história de quatro empreendedoras que transformaram o turismo de SP