Desde 1964, Maria Raquel da Silva, ou Dona Raquel, como é conhecida na pequena cidade de Macuco (RJ), cumpre a missão de educar. Mas, curiosamente, faltava algo que simbolizasse formalmente essa dedicação: o diploma em Matemática.
> Siga o Virgula no Instagram! Clique e fique por dentro do melhor do Entretê!
Em meio aos preparativos para a tão esperada colação de grau, Dona Raquel foi confrontada com o diagnóstico de câncer no intestino e precisou adiar a realização desse sonho. Enquanto lutava pela própria saúde, colegas de universidade, cientes da batalha que ela travava, decidiram esperar por ela e o que era para ser uma celebração individual se tornou um testemunho comovente de solidariedade e amizade.
A colação de grau, originalmente agendada para dezembro de 2023, ficou marcada para abril, com Dona Raquel no centro das atenções, onde sempre pertenceu. “Recebi meu diagnóstico de câncer no intestino em fevereiro do ano passado, mas sempre confiei em Deus e acredito que as coisas acontecem como devem ser. A doença chegou, mas a minha experiência de fé durante todo o meu seguimento de vida não me fez desanimar. Ao contrário, me alimentou e fortaleceu para enfrentar as dificuldades e romper. Eu não via toda essa situação como um problema. Claro que sempre ficava pensando em quando ia terminar o curso, como ia terminar, mas me mantive firme no meu propósito e com fé de que tudo iria ficar bem”, compartilha a formanda.
Foram, ao todo, 16 formandos que participaram da primeira cerimônia de colação de grau do polo de Macuco, aberto em 2020. “Nosso primeiro pensamento foi realizar a Colação de Grau dos formandos no final do ano passado, como é de praxe, porém, ela teria que colar grau mais à frente, individualmente, quando concluísse o tratamento de saúde, mas os alunos tomaram a extraordinária decisão de esperar a Dona Raquel se fortalecer para que a Colação de Grau fosse realizada para todos. Sendo assim, o que antes era um desafio se constitui hoje numa missão muito gratificante com a soma de três presentes, a Dona Raquel como aluna do Polo, a solidariedade dos alunos para com ela e as homenagens para ela, prestada por ex-alunos e representantes da Uniube”, acrescenta a coordenadora administrativa do Polo, Janilda Nunes da Conceição.
Emocionada com a homenagem prestada pelos colegas de turma, a professora Raquel diz que a decisão da turma em adiar a colação de grau a fortaleceu ainda mais. “Me senti muito feliz, muito lisonjeada com tantas falas e parabéns. Naquela plateia, havia muitos ex-alunos. Por isso, é muito gratificante ao final de uma grande jornada se saber reconhecida como colaboradora na formação de tantas pessoas. Minha maior satisfação está em saber da sinceridade de coração de cada um que se manifestou ao me homenagear, pois são pessoas com as quais me encontro constantemente e sempre me tratam com distinção mostrando apreço. Minhas palavras são sempre gratidão, gratidão, gratidão”, pontua.
Para quem acompanha de perto a história de Dona Raquel, essa conquista é uma inspiração para todos. “Falar de tia Raquel não é difícil, muito pelo contrário, é fácil, gratificante e honroso para mim. E acredito que para toda nossa comunidade de Macuco. Cidadã, amiga, responsável, religiosa, professora excepcional e exemplar. Fiquei muito feliz quando ingressei na Uniube e soube que ela estava também, fiquei mais animado e incentivado a seguir na universidade e no meu objetivo. Terminamos o curso quase que juntos. Então é o momento da Colação de Grau, porém, Dona Raquel não poderia participar, tendo em vista seu tratamento de saúde. Todos os colegas consternados, resolvemos em comum acordo e com a aprovação da Uniube, nos proporcionar a satisfação e a honra de colar grau com essa pessoa tão especial para nós. E então, todo o esforço foi feito para que pudéssemos estar juntos a ela. O seu ‘legado’ já está entre nós. Gratidão por tudo ‘Tia Raquel'”, conta o formando da Uniube e ex-aluno de Dona Raquel, Paulo Sérgio Fernandes Garcia.
Educação para todos
A atitude dos alunos da Uniube também foi um gesto de gratidão, pois muito antes de começar a graduação em Licenciatura em Matemática, dona Maria Raquel já dava aulas na pequena cidade. Desde 1964, por meio de um concurso público, ministrava aulas na zona rural para alunos do Ensino Fundamental. Em 1971, o amor pela Matemática e o alto conhecimento que já possuía pela matéria fizeram com que ela recebesse uma certificação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (Certificado de Registro de Professor Aprovado em Exames de Suficiência) para poder também prestar concurso e dar aulas no antigo ginásio.
Raquel cresceu em uma família humilde e teve dificuldades para iniciar sua história com a Educação. “Nós morávamos na roça, meu pai, Manoel Benedito da Silva, não tinha condições de me levar para o colégio, pois era longe. No entanto, seu zelo pela alfabetização dos filhos era muito grande. Assim, num Natal, ainda antes dos meus 6 anos ele nos deu de presente, um caderno, um lápis, uma borracha e uma cartilha. E foi com ele que eu aprendi a ler, escrever e contar”, continua Raquel.
Em 1952, quando seu pai começou a ser zelador de uma escola e levou a família para morar no local, ela iniciou os estudos até alcançar a formação de professores. “E assim eu fui seguindo, ensinando matemática nas escolas e em casa aos que precisassem de reforço. De início cobrava pelas aulas de reforço, mas depois achei que não valia a pena, já que eu tinha o dom que Deus me deu, sendo de formação cristã católica, entendi que se recebi de graça, de graça devo passar, e continuei fazendo isso gratuitamente a quem se interessasse”.
Advogados, médicos, dentistas, entre tantos outros profissionais hoje agradecem à Dona Raquel pela paciência e dedicação em repassar conhecimento. “Comecei a trabalhar com esse projeto, pois eu via a dificuldade das crianças. Então eu comecei a juntar as crianças, jovens e adultos para aprenderem a ler e escrever, bem como ensinar matemática, e continuo até hoje. Eu me encontrava com eles em casa ou na rua, onde eles solicitassem eu atendia, até mesmo no hospital eu já atendi uma aluna”, comenta.
A Universidade
A história de Dona Raquel ficou conhecida pela Uniube e ganhou o coração da comunidade acadêmica. “Como professor, eu me curvo diante da história de Maria Raquel, pois é uma história de grande exemplo para todos nós. Este mundo nosso está precisando, cada vez mais, de empatia, da capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. A Uniube está tremendamente orgulhosa por ter uma turma tão seleta e que tomou uma decisão tão importante de esperar a Maria Raquel para a colação de grau”.
Agora, mesmo aposentada, Maria Raquel ainda segue no propósito da Educação e terá mais uma oportunidade de potencializar o dom que sempre possuiu. “Agora ela faz parte de um seleto grupo de brasileiros, que compõem 23% de graduados no país. E uma surpresa da Universidade para ela foi a bolsa para um curso de pós-graduação EAD, em que ela poderá escolher dentre 200 cursos, para dar continuidade nos estudos. E a partir dessa sequência na educação, ela entra no grupo de apenas 3% de brasileiros que possuem uma especialização”, finaliza o Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da Uniube, André Fernandes.
Ver essa foto no Instagram