Relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica

Carla Raiter Relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica

São meses à espera de um único momento. Será que tudo vai correr como o planejado? Dá medo de sentir dor, de não sentir e de não acordar. Mesmo com tantas perguntas, dúvidas, receios e incertezas, o parto é um dia mágico para muitas gestantes – ou pelo menos deveria ser, já que na prática as coisas são diferentes. Você já deve ter lido, em algum lugar, denúncias e relatos de violência obstétrica. Afinal, como reconhecer uma agressão do tipo? Para começar, é importante ressaltar que essa imprudência médica, cometida por obstetras ou pela equipe médica responsável pelo atendimento da gestante, abrange também o pré-natal e o pós-parto, não apenas o parto.

De acordo com Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, a violência obstétrica é mais frequente do que se imagina. Compreendida como um erro médico, a ocorrência carrega um forte componente de gênero, tornando a gestante uma mera observadora do próprio parto, sem voz ou direito de escolha. Para complicar, não existe uma legislação específica, no Brasil, para punir casos semelhantes. “Você não vai encontrar nenhuma nota dos conselhos de medicina sobre isso, porque também é uma questão política. É por isso que dizemos que se trata de uma violência diferente do erro médico”, observa Ana Rita.

O assunto vem sendo debatido com mais frequência e autonomia graças à luta de mulheres e profissionais de medicina pela humanização do parto. É aí que falamos de um atendimento mais humanizado e acolhedor às gestantes, antes  do nascimento do bebê. Reconhecer essa violência, portanto, é o primeiro passo para efetivamente combatê-la em maternidades e clínicas espalhadas pelo País. Muitas mulheres ainda desconhecem a prática, não se reconhecendo como vítimas de violência obstétrica – apesar de terem vivenciado partos desumanizados e traumatizantes.

“Quando falamos sobre o tema, contando exemplos e histórias, é comum ouvirmos, de mulheres, uma fala de reconhecimento. Elas sofrem a violência e não sabem, pois achavam que era natural, que outras mulheres compartilhavam a mesma experiência. Apesar da democratização do conhecimento, estamos falando de gestantes que ocupam todos os espaços. Muitas delas sequer têm acesso à informação”, pondera a especialista.

Como reconhecer a violência obstétrica?

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, publicou em outubro de 2015 a primeira cartilha sobre o tema, chamada ‘Conversando sobre a violência obstétrica’. O material traz informações importantes sobre a natureza dessa violência, exemplos mais comuns, direitos da gestante e do bebê e como denunciar um caso de abuso na rede pública ou privada. De acordo com o material, a violência obstétrica costuma acontecer com mais frequência durante o parto e pós-parto, quando a gestante se encontra em situação de vulnerabilidade, sem poder se defender de alguma prática abusiva.

Apesar da gravidade do termo, o ato violento não está relacionado apenas à agressão física, embora ela também exista. Comentários constrangedores, ofensas, xingamentos, humilhações e ameaças estão entre alguns dos exemplos de violência obstétrica mais comuns durante o trabalho de parto.

“A gente ouve relatos frequentes, principalmente no sistema público, de um trabalho de parto com ofensas verbais. Um exemplo é quando a mulher sente dor e grita, sendo ameaçada pela equipe médica. Dizem que o bebê vai nascer com algum problema se ela continuar gritando. São falas cheias de mitos, para assustar, imputando à mulher a responsabilidade de qualquer mal sobre o filho dela. Traz uma carga muito forte de medo, e estamos falando de profissionais que sabem que estão mentindo. É uma violência invisível, que não deixa uma marca”, afirma Ana Rita. 

Exemplos de violência física, com cicatrizes, não são incomuns; é o caso da episiotomia, corte doloroso que vai do ânus à vagina da gestante, para facilitar a saída do bebê. No Brasil, a incidência de episiotomia nos partos naturais é de 53,5%, enquanto a orientação da OMS afirma que a taxa não deve ultrapassar os 10%. Não para por aí, viu?

Além deste procedimento, a cartilha da Defensoria Pública fala em manobras como a pressão sobre a barriga da parturiente para acelerar o nascimento (manobra de Kristeller), infusão intravenosa para acelerar o trabalho de parto sem consentimento da gestante, retirada dos pelos pubianos, uso rotineiro de lavagem intestinal, toques dolorosos para verificar a dilatação, tentativa de proibir a mulher de realizar qualquer movimento ou levantar da cama, entre outros.

A cesárea também entra para essa listinha nada animadora. Quando feita sem indicação clínica real e sem o consentimento da gestante, a cesárea é tida como mais um exemplo de violência obstétrica, já que a prática acarreta uma série de riscos e complicações para a saúde da mãe e do bebê, como infecções e hemorragia.

Informação, precaução e denúncia: não fique em silêncio 

O caminho para se precaver e evitar qualquer episódio de violência é um só: muita informação, não apenas para a gestante, mas entre todos os familiares que a acompanharão no dia do parto. Em caso de vulnerabilidade, avós e parceiro podem impedir que a mulher seja submetida a qualquer procedimento irresponsável, sem consentimento. Segundo Ana Rita, outra dica é preparar um “plano de parto” com o médico, evitando que qualquer preferência da gestante seja ignorada pela equipe responsável no dia do nascimento do bebê.

Vale como um documento, com questões referentes à alimentação e hidratação da gestante até o ponto sobre depilação íntima.

Se ainda assim a mulher sentir que foi desrespeitada durante pré-natal, trabalho de parto ou pós-parto, é possível encaminhar uma denúncia formal ao Conselho de Classe, que pode aplicar uma sanção ao profissional envolvido no episódio de violência, além de denunciar junto ao Ministério Público a conduta da direção do hospital ou maternidade em questão, se for uma prática recorrente.

“A gestante pode requerer judicialmente uma indenização pelo dano sofrido, que pode ser moral ou material. E se for o desejo dela, procurar uma delegacia de polícia para fazer um boletim de ocorrência. A conduta vai se adequar a um crime que já existe na legislação, como lesão corporal ou injúria”, conclui Ana Rita.


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