Se Virginie Boutaud, Dany Roland, Yann Laouenan, Xavier Leblanc e Alec Haiat tivessem 20 anos, alguém poderia achar que eles seriam mais uma banda de dream pop ou algum projeto retrofuturista da Califórnia ou da Austrália. Os integrantes originais do Metrô, banda que fez sucesso nos anos 80, no entanto, tem algumas décadas a mais que isso, apesar da empolgação adolescente.
Ao se reunirem em novembro do ano passado para apenas um show, eles sentiram que a história deles ainda não havia acabado. Após alguns shows realizados recentemente, o quinteto em que todos os integrantes são franceses ou descendentes de franceses, decidiu abrir a agenda a partir de outubro para mais datas no Brasil e planejam um disco de inéditas e um documentário.
“O carinho das pessoas é sempre bem vindo. É um pouco surpreendente que continue, mas ao mesmo tempo eu sou associada com uma época em que o Brasil estava vivendo uma época de abertura, eu era uma mulher no palco como era Paula Toller, que continua até hoje, dizendo coisas, assumindo, sei lá uma certa rebeldia, liberdade de vestir, de se mexer”, afirma Virginie, musa dos anos 80 e ainda hoje um ícone. Nós conversamos com todos os cinco integrantes, que moram em diferentes partes do Brasil e a cantora na França, enquanto eles se encontravam para um ensaio na casa de Alec, no Morumbi.
Muitas bandas contemporâneas estão buscando fazer um som synth pop que parece com o que vocês já faziam nos anos 80. Se alguém quisesse emular o metrô, vocês acham que seria possível? Qual é o segredo?
Alec Haiat – Eu acho que alguns fatores que são básicos nesse som. Primeiramente, o respeito de um instrumento para o outro, você toca pensando na composição. O instrumentista tem que tirar o foco da performance pessoal e passar a bola para os outros, isso é importante. A composição deve ser simples, ao mesmo tempo ela tem que ter algumas manhas que o simples não seja tão decifrável. É dúbio nesse sentido, no nosso caso, a gente compõe alguns acordes que parecem ser muito simples, mas de repente, no meio, muda de um jeito que as pessoas… Eu reparei que eu estava tocando com uns amigos, e aí eu pensei, “esses são os acordes de Beat Acelerado?”. Não parece isso.
O Dany me falou que tinha João Gilberto aí na história…
Alec – Beat Acelerado é uma bossa nova joão gilbertiana.
Yann – Olhar também é um bossa nova.
Alec – Olhar também. Você tem que despir de arranjo, com o violão, na batida certa e na cadência certa, você vai ver que é uma bossa nova.
Vocês se consideram punks? Percebi que o Alec toca com uma fita em cima da marca da guitarra?
Alec – (Risos). Não, aquilo é o seguinte. É uma guitarra que eu tenho há 30 anos, uma coisa assim, e ela já foi uma guitarra de marca, mas eu mudei tanto aquela guitarra que eu não considero mais a marca que ela é. É uma guitarra minha.
Dany – Você customizou ela?
Alec – Totalmente.
Xavier Leblanc – Mas quem sabe sabe, né Alec.
Alec – Eu sei muito bem o que eu dei de sangue pra ela ficar boa. Eu que desenhei ela.
Virginie Boutaud – o que você trocou nela?
Alec – Tudo, sobrou dela o corpo e o braço, captador, eletrônica, tarraxa, traste, escala, ponte, troquei tudo.
Vocês são nerds de música?
Alec – O que você quer dizer com nerd?
Estudam, pesquisam à fundo?
Yann – Eu gosto de estudar o instrumento. Ele (Dany) gosta de estudar repertório.
Dany – Instrumento, repertório.
Virginie – Sons.
Dany – Sonoridades.
Yann – Timbres, eu pego um teclado com 700 timbres e vou escolher quatro, pra banda fazer quatro timbres, principalmente casar com o som da guitarra do Alec.
Alec – Isso é importante também o que ele está falando, o pessoal tem muita tecnologia à disposição, aí quer usar tudo, é normal. Brinquedo pra criança não vence, você quer sempre mais um. E se você quer um som conciso você tem que escolher alguns timbres que você sempre vai voltar àquilo, vão compor os timbres da banda.
Percebem a influência da banda de vocês em outras atuais?
Yann – Brasileiras?
Isso.
Dany – Pato Fu. Quando eu ouço penso, nossa isso podia ser Metrô. O CSS (Cansei de Ser Sexy) que não é tão novo.
Virginie – E o Só Love, Só Love?
Dany – A gente sente que tem Claudinho & Buchecha. Inclusive o Kassin estava produzindo o novo disco do Buchecha e eu falei, nossa isso é o Metrô. E ele disse, não isso é Buchecha. Eu falei, “caramba, vamos fazer o disco do Metrô, isso é o Metrô”. Enfim, ele é louco com as coisas do Yann. E lá tem todos os equipamentos que o Yann sempre usou, que é o MS 10, aqueles synths analógicos, sequenciador, arpegiador.
Xavier – Eu gosto do baixo eletrônico também.
O baixo que você usa é o mesmo de 30 anos atrás?
Xavier – Eu tenho os dois baixos, um de 65 e outro de 84.
Dany – Às vezes, quando eu ouço Banda do Mar eu penso que poderia ser Metrô.
Virginie – A Vanessa da Mata eu ouvi no rádio outro dia e falei, esse som parece um pouquinho.
Dany – É, o Kassin que produz. Ela chegou a tocar Tudo Pode Mudar em um show, em Recife.
E na Europa como eles recebem esse som, pra eles é música brasileira?
Virginie – Eles não receberam ainda (risos).
Depois de 30 anos, banda Metrô está de volta
Qual foi o gatilho para esse encontro com a formação original?
Alec – Foi a saudade, de fazer um som assim de novo. Eu vou falar uma coisa, todo mundo aqui fez som com Paulo Ricardo, o Dany tocou com Os Ritmistas, Céu. Toquei com Céu, Kiko, fizemos jam, com Arrigo Barbané. Eu tive duas bandas Paris Le Rock, Paris Texas, tive um projeto com o Antônio Pinto também. Só que assim, essa sonoridade a gente nunca conseguiu reencontrar. E até tentei tocar umas músicas do Metrô nessas bandas e, cara, não soa, é impressionante. Não soa, falta sempre algum elememto, a bateria tá forte demais, o baixo tá muito travado, não tem o teclado. Conseguir recompor isso não é fácil. Por isso que você perguntou se tem alguma banda que conseguiu recriar esse DNA. Poderia ter feito, mas não é tão evidente.
Dany – A química aqui é muito rara, a gente ficou anos sem tocar.
É um frech touch?
Yann – Brazilian frech touch.
Virginie – Cada um aqui percebe que passou o tempo e a gente subiu em um palco em novembro pra fazer um show comemorativo. Foi muito legal e a gente olhava um pro outro e pensava “pô, que é isso, tá rolando ainda”, 30 anos depois a gente subiu no palco e bum.
Alec – Tava adormecido. Essa volta poderia ser uma catástrofe
Virginie – Uma caricatura.
Alec – Ou uma coisa normal, nem ruim, nem bom, OK não machuca, mas também não exaltece. Mas no nosso caso, não. Sabe quando recompõe as moléculas e opa. Virou corpo de novo.
Virginie – E tem toda uma conjuntura em volta, que quando a gente estava nesse palco, você olha as pessoas. Porque a gente recebe muitos comentários de gente pedindo shows. Faz tempo, mas o Metrô nunca saiu da cabeça das pessoas, agora com as redes sociais a gente fica sabendo dessas coisas que acontecem. Tem um monte de gente postando vídeos no YouTube de bandas tocando músicas do Metrô, gente fazendo covers, karaokês do Metrô, se divertindo. E no palco, isso a gente viu na nossa frente, as pessoas curtindo pra caramba.
Deu muita vontade de fazer coisas novas pra fazer novas trocas com essas pessoas. Porque elas ficam com vontade de rever o Metrô, mas eu tenho certeza que elas estão prontas para ter uma troca sobre coisas novas. Quando é que vocês vão voltar. Ontem a gente fez um programa muito longo de televisão e foi uma loucura a repercussão e a música nova que a gente tocou passou muito bem. Puxa, que bom, uma música nova.
Alec – A música nova tem o DNA do Metrô mesmo. Ela pode ser nova, mas você reconhece os elementos lá, isso é como os Rolling Stones, quando tem uma música nova, no primeiro riff do Keith Richards você já fala, “isso é Stones”. Então você já vai pra pista dançar Stones. Você não fica assim, “puta, esse Stones está estranho”. Acho que você manter os elementos estruturais da banda, a nova composição vai soar confortável sempre.
Dany – É importante dizer que isso surgiu naturalmente, não é uma coisa pensada.
Yann – A gente se reencontrou em novembro para fazer esse show. Aí eu moro em Jeriquaquara, voltei pra lá. Eu tinha procurado meu antigo computador, eu lembrava que eu tuinha feito alguma coisa que parecia com o que a gente fazia. Eu achei esse música, essa linha melódica. E eu lembro que eu voltei pra Jeri e fiquei três dias internado. Não fui pra praia, que é uma coisa completamente anormal. Cheguei lá e fiquei tão impressionando com essa química no palco que eu me internei na minha casinha lá e a música saiu assim pá. Fiz umas coisinhas e mandei pra Virginie.
Virginie – Você mandou pra todo mundo, chamava Sand Jeri, as areias de Jeri.
Yann – Eu pensei que era uma coisa que respeita o nosso passado, mas que era nova. Não tinha letra e eu pedi pra Virginie. Dez, quinze dias depois a Virginie mandou uma letra. Aí ela veio pra São Paulo algum tempo depois, veio aqui na casa do Alec e gravou a voz. Enfim, foi uma coisa totalmente caseira, que fizemos entre nós. Deu liga.
Tem outras músicas?
Dany – Um monte. Tem várias ideias.
Alec – Está todo mundo com música.
Virginie – É curioso que tem muita coisa saindo nas passagens de som. Isso está sendo uma delícia, que a gente chegou em um ponto que a gente está dialogando muito musicalmente. E está tudo mundo a fim de trocar figuirinha.
Yann – Servir ao outro.
Virginie – Tem sonoridades que estão se desenhando, além da sonoridade Metrô, tradicional, tem coisas que eu tô curtindo. Não sei se eu estou enganada, mas eu sinto uma ondinha surf aparecendo por aí, que me encanta.
Alec – Surf e disco, são elementos novos que estão invadindo a área, mas muito bem vindos. A eletrônica vai ter um papel, fora do tecnopop. A gente vai chegar aí com os teclados na Novation, que eles são feitos para pista. Vai chegar um pro Yann, um pro Xavier e outro pra mim e a gente vai poder compor músicas de teclado. Não vai ser o Kraftwerk, mas vai ter uma linha.
Yann – A gente tem o nosso som, mas em 30 anos os timbres de teclado, de guitarra, evoluíram muito. O próprio fato de você poder compor e gravar uma música na sua casa é uma coisa que a gente não tinha na época. Então realmente é um fato. A molecada de hoje está antenada com novas coisas, novos produtos, e a gente está se informando. Eu não quero ter um teclado de 30 anos atrás, eu quero ter um teclado de hoje. Isso que está sendo bacana, a gente respeita a concepção do som, mas a gente pode modernizar, trazer pros dias de hoje, o desafio é esse, não sei se a gente vai conseguir.
Virginie – E tem rock também. Minhas filhas me falaram, “mamãe, isso está tão bom”. A gente tem essa necessidade, de ah, eu quero rock.
Alec – É igual jogar futebol, você quer sair suado e a acabado e falar, “agora foi legal”.
Virginie – A ideia é fazer dançar e fazer dançar bastante.
Virginie, você é um ícone feminista dos anos 80. Em que a mulher não aparecia como protagonista como hoje, quando a gente tem a Beyoncé, Rihanna, Miley Cyrus…
Yann – A sociedade era mais machista na época.
Virginie – Tinha a Tina Turner.
Alec – Madonna.
Yann – Nina Hagen.
Dany – Debbie Harry.
Mas passou pela sua cabeça que você estava abrindo espaço?
Virginie – Não me preocupei em abrir espaço. Mas eu procuro hoje em dia, quando a gente procura parceria de letras eu insisto bastante que eu gostaria de ter parcerias com mulheres. Procuro poetas mulheres, procuro saber o que são as mulheres, o que elas pensam, como elas agem hoje. Porque como na França tem cotas obrigatórias de mulheres no governo, a gente ainda está em um planeta que tem que ter cotas obrigatórias pra mulher achar o espaço. Mas tá melhorando bastante, temos várias mulheres presidente no mundo.
Xavier – Ixi (risos).
Virginie – Melhorou bastante, politicamente. Mas a gente não pode deixar de insistir nesse ponto. Igualdade, por exemplo, na educação nas escolas, sabe? Eu trabalho em escolas na França e a gente nota que na França, aqui, ou em outros países também, a gente não vai fazer perguntas de matemática pra menininha. Você vai fazer de Francês ou de linguagem pra menina e de matemática pro menino. Tem ainda essas coisas que estão…
Dany – Enraizadas.
Você se considera feminista?
Virginie – Humanista.
Yann – Isso que eu ia falar, exatamente.
Virginie – Sem cor, sem sexo e sem poder aquisitivo, a ideia é tentar fazer com que as pessoas tenham chance de serem ouvidas com os meios que elas têm. É o que eu gosto.
E como lida com a idolatria, ver os elogios nas redes sociais, gente que tem até uma paixão por você?
Virginie – O carinho das pessoas é sempre bem vindo. É um pouco surpreendente que continue, mas ao mesmo tempo eu sou associada com uma época em que o Brasil estava vivendo uma época de abertura, eu era uma mulher no palco como era Paula Toller, que continua até hoje, dizendo coisas, assumindo, sei lá uma certa rebeldia, liberdade de vestir, de se mexer.
Dany – De namorar quantas pessoas quisesse…
Virginie – É verdade. Isso eu acho que é positivo. Agora fico um pouco envergonhada às vezes, acontecem uma coisas, uma declarações mais inflamadas que surpreende. Mas é bonitinho, acho legal, faz parte. Acho legal saber que os meninos tinham pôsteres nos armários.
SERVIÇO
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