Marcos Andrada

Divulgação Marcos Andrada

Herói indie com a banda Vultos, quase-sucesso do underground paulista dos anos 80, Marcos Andrada é tema do documentário Incógnito, dirigido por André Z. Pagnossim e Otávio Bertolo. O filme de 26 minutos questiona os limites da arte, sanidade, fracasso e sucesso. “Marcos Andrada é um músico anônimo que, apesar de todos os infortúnios na carreira, permanece em sua busca por um significado mais profundo da vida, através de sua arte e seus incontáveis alter-egos”, afirma a sinopse do documentário.

No ano passado, com o nome de Sereialarm, projeto de Marcos e Otávio Bertolo, o músico de 51 anos lançou mais um trabalho que ficou restrito aos círculos de audiófilos, Bem Aéreo. “Pra mim foi muito importante o abandono desse ideia de sucesso. Tipo, assume o fracasso”, afirma Marcos no filme. O músico é uma espécie de versão brasileira de Sixto Rodriguez, retratado no documentário Searching for Sugar Man, de 2012.

Incógnito foi selecionado para o 26º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo e será exibido no dia 20, às 21, no Museu da Imagem e do Som (Av Europa, 158- J. Europa); no dia 22, às 17h, no Espaço Itau Augusta (Rua Augusta, 1470 – Cerqueira Cesar) e no dia 23, às 15h, no Cine Olido (Av São João, 473- Centro). Leia a nossa conversa com os dois diretores.

Falem um pouco por favor sobre a banda Vultos, que pontos você destacaria em que ela se mostrava mais à frente do seu tempo?
Otávio Bertolo – Eles sempre tiveram bons instrumentistas na banda. A formação que gravou o primeiro álbum tinha o Andrei Ivanovic no baixo e ele dominava o fretless, algo que não era tão comum nas bandas pop brasileiras dos anos 80. O trabalho de guitarras do Wilson é dos melhores e mais originais feitos no Brasil daquele período. Ele conseguia preencher os arranjos sem muitos overdubs e sempre usou a guitarra a favor da canção, um cara à prova de clichês e virtuosismos gratuitos.

As letras do Marcos nesse primeiro disco retratam muito bem a rotina e os anseios de um jovem da época, sempre com citações a filmes e a arte em geral. As melodias e os vocais são bastante originais como todo o trabalho do Vultos. É muito difícil encontrar algum trecho onde estivessem claramente tentando emular a sonoridade de alguma outra banda, brasileira ou não. Nisso eles estavam realmente à frente, pois mesmo nas bandas clássicas daquela década, é muito fácil sacar o que servia de referência.

Creio que se tivessem conseguido uma penetração maior na TV, a história comercial da banda seria bem diferente pois suas canções mais conhecidas, como Ilhas e Incógnito, não deviam nada aos outros hits de então.

André – ​Concordo com tudo o que o Otávio disse. Mas o que me pegou a princípio foi mesmo a voz do Marcos, que acho muito característica para o rock nacional da época. Enquanto a maioria dos vocalistas tentava soar como Ian Curtis ou Paul Weller, a voz e linhas melódicas do Marcos eram bastante únicas. Gosto também das letras abstratas, o Marcos sempre foi um baita letrista.

Veja o trailer de  Incógnito:

 

Por que quis trabalhar nesse projeto?
Otávio – ​Eu e o André resolvemos fazer este filme porque o Marcos é um compositor muito talentoso, com uma obra não publicada enorme e acima de tudo um personagem interessante, cuja história merece ser contada. Além disso, o projeto ia ao encontro a uma sensação que eu sempre tive de que os documentários sobre músicos são quase sempre focados nos artistas já consagrados. Grande parte destes filmes, além de ser chapa branca, tem uma linguagem televisiva e didática, a história é contada de maneira cronológica, muito focada na construção de um personagem heroico.

Fomos para o caminho oposto e creio que não havia maneira mais adequada pra retratar o Marcos, já que ele se expressa não linearmente, com muitas divagações e detalhes. A preocupação estava mais em trazer a sensação do que é passar uma tarde ao lado deste cara, do que em fazer um documentário preciso jornalisticamente. O Marcos foi supercorajoso ao se abrir pra câmera sem pudor algum e o filme é claramente dele, não é um filme sobre o Vultos ou o Sereialarm.

​André – ​Eu havia ouvido as primeiras demos do Sereialarm já com esboços dos arranjos do Otávio, isso lá por 2002, 2003. Apesar de termos estudado juntos em São Carlos, ficamos um bom tempo sem nos ver aqui em São Paulo. Daí, no final de 2013 nos encontramos num show no Sesc, e durante um café conversamos sobre a possibilidade de fazermos um trabalho juntos. Ele sugeriu a idéia de um documentário sobre o Marcos e como eu já gostava do pouco trabalho dele que conhecia, topei na hora.

Já havia dirigido curtas ficcionais, mas há tempos pensava na possibilidade de fazer um documentário musical. O Otávio preparou muito bem as perguntas, abrangendo praticamente todo aspecto da vida do Marcos. O material bruto ficou enorme, ultrapassou 13 horas, mas a forma livre da montagem e o design de som do Otávio, manipulando de forma bem experimental o áudio das fitas cassete do Marcos, acabou criando sem querer uma linguagem que me agradou bastante.

E devo dizer que o Marcos foi sempre muito prestativo, deu apoio e carta branca total pra gente mostrá-­lo da forma como o enxergamos. Como meu trabalho em montagem geralmente se resume a trabalhos publicitários e institucionais, aquela coisa amarrada e sempre igual, foi uma experiência ótima poder trabalhar com um músico que admiro bastante e que hoje se tornou um amigo.

Cartaz do filme Incógnito

Divulgação Cartaz do filme Incógnito

O que te deixou mais orgulhoso no filme?
Otávio – ​Nós não tínhamos orçamento ou equipe. Éramos só nós três, com o nosso equipamento pessoal e uma câmera emprestada. Eu nunca tinha dirigido nenhum filme. Mas o André é um grande montador e todo o mérito se dá ao trabalho dele e à performance do Marcão. O que me deixa mais feliz é ver que um filme muito simples, feito sem grandes ambições está conseguindo entrar em festival e ajudando a divulgar o trabalho do Marcos.

Em que o Sereialarm vem trabalhando atualmente, também atua em outros projetos?
Otávio – Atualmente, o Sereialarm está hibernando. Somos especialistas nisso. O Marcos sempre grava suas composições em cassete, e da época das filmagens até agora imagino que ele já deva ter gravado mais uma dezena. Ele publicou uma do projeto “Brothers of Sin”, que é bem legal. Eu continuo o meu trabalho com trilha sonora, mixagem e sound design. E estou produzindo uma faixa com um artista colombiano, que até o final do ano deverá sair em uma compilação. Tenho muito interesse em produzir e trabalhar com mais artistas, mas você sabe, o Marcos já tem mais dois ou três discos escritos para o Sereialarm, e uma hora esse material precisará vir à tona.

O filme discute a questão do fracasso, o que é sucesso pra você, o que te motiva a fazer uma música que certamente ficará no underground por ser muito elaborada pra ser assimilada pelo pop?
Otávio – ​O Marcos coloca isso muito bem no filme, de como a ausência do compromisso comercial com a música te permite criar algo sem se render às concessões. Então o que é fracasso comercial se torna êxito artístico, ou ao menos você concretiza a música como você imaginou.

O que me motiva a continuar nessa história, é acima de tudo o prazer e o aprendizado que tenho no processo em si. Mesmo que o público seja pequeno, ele é formado por gente mais iniciada, com bom conhecimento nesse estilo. Se eles gostam, é porque há algo legal no que fazemos. E mesmo que não haja. o Marcos vai continuar gravando os cassetes, pode ter certeza.

André – ​Eu nem acho a música do Marcos tão elaborada assim, no sentido intelectual. Claro, ele tem coisas como a série de fitas cassete intitulada Cracofonias, que é uma via­ crucis de psicodelia e noise, dificílima de ouvir. Acabo me identificando com ele nessa parte, pois nunca fiz música voltada a algum público específico, sempre primei pelo lo­-fi e espontaneidade das gravações, e a gravação em si sempre me agradou mais do que a performance ao vivo. Mas o caso do Marcos é realmente à parte.

Porque hoje todo mundo grava no computador e sobe em seguida pro SoundCloud. O Marcos nem tem um computador na casa dele, grava tudo em fita e vai estocando elas. A grande vantagem é que ele nunca vai ter problema do tipo dar um pau no HD e perder tudo.

Marcos Andrada

Divulgação Marcos Andrada

Que bandas da atualidade mais gosta e indica?
Otávio – ​Eu gosto muito de música mais experimental. O Daniel Lopatin vem fazendo um trabalho audiovisual notável com o Oneohtrix Point Never, além de praticamente ter inventado o vaporwave. Gosto também de ambient music, como o Brock Van WeyAutechre e Boards of Canada têm lançado álbuns que serão clássicos. No rock tem o My Morning Jacket, que lançou um discaço esse ano. Bon Iver, Volcano Choir, ShearwaterBlitzen Trapper são outras que ouço muito. O Wilco consegue fazer musica pop e mescá-­la com elementos de vanguarda, além de serem excelentes instrumentistas. Mas ouço muita velharia e passei o último ano pesquisando bandas argentinas dos anos 70. O Spinetta tem uma obra vasta e inacreditável, não consigo entender porque ele é tão desconhecido no Brasil.

André – ​Acompanho poucas bandas novas. Acabo ouvindo sempre as velharias que ouvia há dez, quinze anos. Primal Scream, Sonic Youth, Neil Young, Daniel Johnston. Apesar de tocar guitarra e já ter tido bandas, a música que faço atualmente é eletrônica, então acabo acompanhando mais as coisas de ambient, techno e electro. De cabeça, agora, recomendaria os últimos discos do u­Ziq e do Luke Vibert, que nunca decepcionam. Um amigo me sugeriu esses dias o último disco do Objekt, Flatland, que é ótimo também.


int(1)

Músico da banda Vultos, do underground de SP dos anos 80, é tema de documentário