Montar uma banda de som próprio já é uma conquista. Conseguir angariar fãs é outra. Agora, para as bandas independentes nacionais, poder levar a sua música para um outro continente e de outra cultura é um sonho que parece bem distante, daqueles quase impossíveis, ou válido apenas para as ‘grandes bandas’, mas não é! Europa, EUA, e nossos vizinhos da América Latina vêm cada vez mais abrindo portas para os brasileiros. A questão é saber como chegar lá.
Só que o lance não é tão fácil. Vários obstáculos dificultam artistas independentes, e sem apoio de uma produtora, a ultrapassar essa fronteira: bons contatos, toda logística local, divulgação dos shows, e claro, o fator financeiro para se manter lá fora, já que o nosso real anda bastante desvalorizado diante de moedas estrangeiras (dólar e euro, por exemplo).
Para saber como atingir essa meta, fazer a sua tour bonita lá na gringa e não voltar devendo todo o limite do cartão de crédito, o Virgula Música foi atrás de alguns feras que já estiveram tocando com suas bandas no exterior e estão mais do que calejados no assunto. São eles:
Andre Alves, do Statues On Fire (e ex-Nitrominds e Musica Diablo), já fez 16 turnês na gringa, a maioria pela Europa e também pelo Canadá e Argentina. Mario Bross, do Wry, ícones do indie nacional que residiram por oito anos em Londres. Esse ano, foram pela primeira vez ao exterior partindo do Brasil e participaram do festival Primavera Sound, em Barcelona. Rodrigo Carvalho, do The Soundscapes, que fez o caminho inverso e junto com seu irmão, Raphael, criou o duo em Nova York, em 2006, e fizeram shows em várias cidades americanas antes de retornar ao nosso país e ampliar a formação para um quarteto. E, para finalizar, Eduardo Praça, do Quarto Negro, que acaba de voltar de uma gig de nove shows seguidos pelos EUA. Detalhe: cantando em português.
Cada um falou de suas experiências e impressões como músico no exterior; das vitórias aos perrengues. E melhor ainda: deram dicas que valem ouro para quem pretende levar o seu som para outras terras. Aprenda com eles, pois são conselhos de mestres:
APRENDIZADO:
André Alves: A melhor experiência de fazer uma tour na gringa é poder tocar de segunda à segunda, coisa que não acontece no Brasil. Lá fora o público reconhece a banda de música autoral, pagam o ingresso e compram o seu merchandise. Mas reconheço que são culturas totalmente diferentes.
Rodrigo Carvalho: Lá fora aprendemos a ser pontuais e rápidos na montagem e desmontagem do palco. Todos têm que respeitar os horários. São regras básicas que fazem parte da dinâmica dos shows.
DIFERENÇAS DE PÚBLICO:
Mario Bross: Tocar na Inglaterra e no Brasil foi mais parecido, pois temos o nosso público. Mas existe diferença: o brasileiro é mais novo, na minha impressão. Na gringa as idades são mais misturadas.
Eduardo Praça: Como audiência, o sul-americano tem fama de ser um pouco mais caloroso, e isso é verdade, o americano custa um pouco à se entregar. Por outro lado, o público americano é um consumidor fiel, e quase todo nosso merchandising foi vendido, coisa que dificilmente acontece nos shows do Brasil.
Rodrigo Carvalho: O publico no exterior sempre foi receptivo com a gente. Quem assistia gostava. Assim conseguimos entrar no circuito local, e também promovemos um intercâmbio de bandas de outras cidades.
Eduardo Praça: Eu achava que teríamos mais dificuldade com a barreira do idioma diante ao público, mas ao longo dos shows vi que esse não era um empecilho, em geral, eles estão bem abertos e conseguem absorver muita coisa pela sonoridade. Ouvi algumas vezes depois dos shows pessoas dizendo que a língua portuguesa é uma das mais bonitas e charmosas do mundo.
LOCAIS PARA TOCAR:
André Alves: Às vezes os picos mais podres de lá têm o PA melhor do que os lugares chiques daqui. Lá, o backline é você quem precisa levar. Aqui o equipamento tem nos lugares, porém nem sempre são os mais adequados para o seu estilo, ou estão surrados até não fazerem a menor diferença para o timbre que você usa.
Mario Bross: As casas no exterior são mais experientes na parte de som. Tem os equipamentos melhores, posição da mesa de operação sonora sempre no local certo, horários mais precisos. É mais organizado nessa parte.
Eduardo Praça: É tudo bem diferente mesmo, a começar pela estrutura que existe nos EUA. Todas as casas são muito bem preparadas para receber artistas, desde as dependências, até a estrutura de palco, não que não haja coisas boas por aqui, mas lá na média, é tudo de um nível mínimo muito bom.
Rodrigo Carvalho: Fizemos shows em diversas casas em Nova York: Cake Shop, Lit Lounge, The Delancey, Piano’s, Sin-é, Luna Lounge, Galapagos, Trash Bar, Goodbye Blue Monday. Em Boston tocávamos no Middle East e no TT the Bear’s Place. Também tivemos a oportunidade de tocar em duas casas grandes, The Bowery Ballroom e Williamsburg Music Hall. A estrutura é a mesma que no Brasil, varia de acordo com a casa.
ALIMENTAÇÃO:
André Alves: Na Europa, você sempre tem comida na hora que você chega no local do show. Depois do show você tem janta, e depois tem mais comida. Se você é músico, tem bebida até não aguentar mais.
LUGARES PARA DORMIR:
André Alves: Na maioria das vezes tem lugar para a banda dormir no próprio lugar do show, com camas limpas, cozinha, banheiro e geralmente tem alguém que faz o café da manhã.
COMO FAZER PARA VIABILIZAR AS TURNÊS?
André Alves: Tem vários esquemas que você pode utilizar:
1. Pagar uma agência que façam os seus shows por lá. Se a sua banda não é conhecida, eu não aconselho.
2. Descolar uma agência que tenha interesse em você, que é o mais difícil. Porém é mais certo que você tenha algum respaldo, um dinheiro que pague pelo menos os seus custos, pelo menos dentro do continente.
3. Esquema de trocas. Foi o que eu sempre fiz e sempre deu certo. Você faz a tour de alguma banda aqui no Brasil e eles fazem pra você por lá. O underground funciona assim, unindo pessoas. Gente que seguiu o meu conselho se deu bem em turnês posteriores. Chegaram a fazer uma puta amizade, conheceram pessoas e promotores. Ou seja, é o ‘do it yourself’. Arregace as mangas e trabalhe, nada cai do céu.
Mario Bross: O legal é marcar o máximo de shows possíveis com as pessoas certas, produtores ou bandas e se organizar de um jeito que você possa até sair no lucro; melhor ainda se tiver merchandising, como cds, vinis, cassetes, bottons, stickers e camisetas para levar e vender.
Eduardo Praça: Nos EUA fizemos uma turnê tocando com uma banda de lá, a Helio Sequence, da Subpop, e por isso tivemos uma estrutura excelente pra viajar. O orçamento era o suficiente para fazer a viagem, e embora a situação econômica do país não esteja na sua melhor forma, tivemos a sorte de contar com a ajuda de alguns músicos de Portland e de São Paulo que entraram nesse barco conosco.
SAÍRAM NO LUCRO OU NO PREJUÍZO?
André Alves: Já teve vezes que pagamos tudo e ainda saímos no lucro. Porém, algumas vezes mal conseguimos pagar as passagens. Existiram época e épocas, altos e baixos, como qualquer mercado financeiro. Então, economize uma grana e deixe guardada no caixa da banda para qualquer imprevisto. Faça sua banda funcionar como uma empresa.
Mario Bross: Saímos no lucro porque conseguimos um acordo com um selo americano logo depois. E, também aproveitamos para passear com as namoradas, esposas e amigos. Agora, pensando somente como banda, lucro financeiro não teve, somente o institucional, o que já sabíamos, mas vale muito a pena.
André Alves: No exterior os shows sempre têm dinheiro. O combinado não sai caro. E, às vezes quando o produtor do show tem muito lucro, ele divide com você esse extra.
Rodrigo Carvalho: Uma prática que acontece nos EUA é que as pessoas falam na porta qual show vieram ver especificamente, então a entrada cobrada vai para a banda mencionada. Dentro de uma mesma noite, umas bandas atraem mais público e outras menos. Sempre tivemos um bom pagamento pelos nossos shows. Às vezes até ajudávamos uma banda amiga nossa que vinha de fora e não tinha tanto público pagante.
Eduardo Praça: Acho que conseguimos equilibrar o balanço, felizmente o hábito de consumo de merchandising nos EUA deu uma ajuda providencial nas finanças da viagem.
Mario Bross: Tivemos vários esquemas de pagamento: nos shows da Inglaterra conseguimos cachês legais, no caso de Londres até melhor do que os shows no Brasil, quando em reais. Em Portugal era o que dava no show, com exceção de um que teve um cachê legal. Na Espanha fomos para participar da conferência PrimaveraPro, onde você assiste palestras, discute e aprende muito sobre a música independente alternativa mundial. Se você é de banda, tem a oportunidade de, além da apresentação no evento de negócios, tocar em um palco no próprio festival, como parte da sua participação na conferência. Sem cachês, mas com toda a estrutura para poder viabilizar o show. Fomos chamados para tocar em um terceiro palco do Primavera Sound, que pra gente foi o show mais legal, que era no palco da RayBan, que ficava bem no meio do festival e a promoção do seu nome era centenas de vezes mais evidente. Nesse o cachê foi em produtos da RayBan. Como a gente foi passear em turismo também, cada um pagou suas passagens, daí os retornos de cachês eram divididos entre a banda.
COMPENSA FAZER TOUR NA GRINGA?
André Alves: Como músico, você precisa respirar outros ares. Aprender na estrada. Isso faz com que você cresça não apenas como músico, mas também como ser humano. O fato de tocar todos os dias mantém a qualidade do seu show, tenha um pagante ou mil. Tocar lá fora não tem preço e escola nenhuma vai te ensinar isso. Não adianta ficar reclamando da vida, faça acontecer.
Eduardo Praça: A vida em turnê é um pouco estressante, cheia de altos e baixos em espaços pequenos de tempo, mas preciso dizer que compensa. O segredo é ter tudo bem organizado e planejado antes de se meter em uma van com seus melhores amigos, isso no fim vai minimizar muito os problemas. Além do que, tocar fora do país é uma oportunidade única de se sentir vivo e relevante, e eu definitivamente faria tudo outra vez.
Mario Bross: Compensa! É bom pra se conhecer, no caso de bandas mais novas, ver o quanto aguentam. É bom para sair da bolha e entender como funciona um outro mercado, um outro país.
É fato, quem experimenta o gostinho dos palcos gringos, não quer largar o osso. O Statues on Fire continua na divulgação do disco Phoenix e já tem mais de 15 datas agendadas na Europa para novembro desse ano. O Wry prepara uma turnê pelos EUA para divulgar o próximo lançamento: o vinil edição de Whales and Sharks meets Deeper in a Dream, uma junção dos dois EPs lançados. Já Eduardo Praça diz: “O Quarto Negro sempre teve uma relação com o exterior, mas sentimos muito falta de rodar o Brasil. Esperamos que, com o novo disco, Amor Violento, isso aconteça mais”. Rodrigo, que também tem em mãos um novo EP, A Lifetime A Minute, com o The Soundscapes, conclui: “Eu tenho certeza de que, quando o voltarmos para shows nos EUA, será um grande acontecimento para todos, banda, amigos e fãs. Deixamos a nossa marca lá”.
Veja em fotos como foi o rolê dessa galera pelo lado de lá do oceano: