Um dos maiores porta-vozes brasileiros do new space, a entrada do dinheiro privado na corrida espacial, o engenheiro espacial Lucas Fonseca está à frente de projetos que envolvem o envio de experimentos brasileiros para a Estação Espacial Internacional e para a órbita lunar.
Uma delas é a missão Garatéa, projeto para levar um experimento de astrobiologia, desenvolvido por cientistas brasileiros para a órbita lunar, no começo da década de 20. A segunda é uma parceria com a Nasa para enviar experimentos concebidos por estudantes brasileiros para a Estação Espacial Internacional.
Fale sobre seus projetos e em que pé estão, por favor?
Lucas Fonseca – Quando começamos a missão Garatéa em setembro de 2016, não fazia ideia do que isso tudo poderia virar. Começamos com o objetivo de enviar uma sonda brasileira para a lua e hoje transformamos a missão Garatéa em uma luta pela ciência brasileira usando o espaço como um pano de fundo inspirador.
Nossas atividades são todas nomeadas com um sufixo no nome Garatéa, então temos a Garatéa-L que é a própria missão lunar, mas também a Garatéa-ISS que é nosso programa de envio de experimentos para a Estação Espacial Internacional, e a Garatéa-E, nosso voo de balão estratosférico que leva experimentos de estudantes do Brasil todo para a estratosfera. Tanto a ISS, quanto a E (Educacional), já tivemos a edição de 2017 com bastante êxito e estamos agora preparando as edições de 2018 (inclusive o edital para participar da Garatéa-E está aberto em edu.garatea.space).
Agora em junho, vamos enviar nosso primeiro experimento para a Estação Espacial Internacional, fruto da edição de 2017. A Garatéa-L deve ocorrer em 2021, e nosso principal desafio é levantar o total de fundos necessário para executar a missão (10 milhões de dólares). Nosso equipe científica foi recentemente contemplada com uma verba do Instituto Serrapilheira, o que nos dá um folego para desenvolver a parte científica da missão, mas ainda temos que acertar a parte mais cara que o foguete que nos leva até a lua. Cientes do momento atual que o Brasil vive, nossos esforços por fundos estão todos focados na iniciativa privada.
Contando um pouquinho da missão lunar: em 2016, fomos selecionados para fazer parte de uma missão compartilhada com europeus para levar nossa própria sonda até a lua. Mesmo que não seja gratuito, a missão tem um custo baixo para uma missão lunar e por isso acreditamos que ela possui o tamanho ideal para o bolso de uma missão genuinamente brasileira. Queremos enviar uma sonda até a vizinhança da lua para entender como micro organismos super resistentes conseguem se adaptar a um ambiente tão hostil. Essa pesquisa no campo da astrobiologia é importante para descobrirmos mecanismos que tornem a vida mais resistente à ambientes extremos e possamos assim criar aplicações que variam desde plantações em lugares com alta incidência de radiação (clima equatorial/desértico) até proteção de organismos vivos em viagens interplanetárias. Caso consigamos enviar nossa sonda, será a primeira sonda do hemisfério sul além da órbita da terra, colocando o Brasil num seleto grupo de nações que fazem pesquisa de espaço profundo.
A Garatéa é uma iniciativa sem fins lucrativos capitaneada pela minha empresa, a Airvantis. Além da Garatéa, também tenho atividades comerciais baseadas no uso do espaço, sendo uma das poucas empresas brasileiras atuando no NewSpace. Recentemente fomos integrados a um HUB de empresas espaciais em Nova Iorque e temos atuado com experimentos científicos em microgravidade.
Na entrevista que concedeu à Scientific American, você disse que começou a se apaixonar por viagens espacais ao visitar à Nasa, como despertar a vocação em crianças que não têm condição de sair do país?
Lucas – O que eu tento trabalhar através do que chamamos de “inspiração educacional”, é a prática de projetos com temas espaciais que de fato coloquem alunos com a mão na massa. Esses nossos projetos são executados com alunos do Brasil todo, sem distinção de escolas públicas e privadas. Para simplificar nossa ação, temos um moto muito simples que é: “Inspirar, Educar e Construir”, e através de atividades que variam de voos de balões à uma oportunidade única de colocar um experimento na Estação Espacial Internacional, temos atingido um número significativo de estudantes. Claro que eu gostaria de levar todos os alunos que participam de nossos projetos para conhecer a NASA, mas trazer essa experiência prática com a ciência espacial já é algo que muda a relação do estudante com a ciência. Para alguns alunos que se destacam, estamos conseguindo levar alguns deles para a NASA.
Em 2017 indicamos a estudante Mylena Peixoto para passar uma semana em um programa dentro da NASA, e em 2018 vamos levar dois estudantes de escolas públicas para representar o Brasil no congresso de experimentos enviados para a Estação Espacial Internacional, que ocorrerá em Washignton DC em agosto. Estamos sempre dependentes de recursos que vem em forma de patrocínio, mas temos a meta de impactar 20 mil estudantes para os próximos 3 anos e conseguir levar uma parcela dos expoentes para conhecer a NASA de perto.
A Mylena por exemplo, por conta de sua história de superação e interesse pela ciência, já teve a chance de visitar duas sedes diferentes da NASA e recentemente se tornou a primeira brasileira representante do programa 24 under 24 do Mars Generation. É esse tipo de coisa que buscamos, transformar a vida de jovens para que eles possam transformar a vida de outros jovens, pois se tornam referência.
O lançamento da Falcon Heavy mobilizou a mídia. Crê que tenha fortalecido o conceito de new space?
Lucas – Assistir ao lançamento da Falcon Heavy foi um recado para a humanidade que o NewSpace existe e já está aí se provando. Mesmo que muitos não saibam exatamente o que é o conceito do NewSpace (empresas atuantes na área espacial que possuem o jeitão de start-ups, e principalmente, produzem seus próprios modelos de negócio no qual façam uso do espaço sem a influência das diretrizes governamentais), acho que ficou claro que estamos presenciando uma grande revolução no acesso ao espaço.
Mais que o fato de enviar um carro à Marte, o simbolismo demonstra como estamos democratizando o acesso ao espaço e sabendo que consequentemente isso vai abrir portas para dezenas de novas atividades comerciais que fazem o uso de recursos que só são encontrados quando no espaço. Diria que junto da Inteligência Artificial, esse acesso de baixo custo ao espaço é a grande revolução desse século. Basicamente o Elon Musk hasteou a bandeira da independência espacial e agora diversas novas empresas poderão fazer uso comercial dos benefícios espaciais.
Não é preocupante poluir o espaço com um carro, não foi uma bola fora em nome da propaganda?
Lucas – Essa pergunta tem vários detalhes interessantes. O carro por si só não representa risco para missões futuras. A órbita que o carro se encontra não é uma órbita comum para outros satélites, então a chance dele colidir com algo é praticamente nula. Se não fosse voar o carro, eles teriam que voar algum peso morto no lugar para provar a eficácia do lançador espacial. Entre voar concreto ou um carro que ajudou a chamar a atenção da importância do feito, por que não o carro? Os números de audiência do lançamento foram descomunais, um interesse que não se via desde as missões Apollo. O carro foi uma jogada de marketing genial na minha opinião, super bola dentro. Além disso tudo, circulou a informação nos bastidores que foi oferecido para a NASA a possibilidade de enviar uma sonda, mas a mesma não se interessou. O carro era o plano B e acabou sendo parte importante do grande show, algo do tipo: “Sim, estamos prontos para os desafios do espaço e por isso estamos enviando um carro para Marte.”
É possível sonhar que o Brasil se torne uma referência no setor aeroespacial, mas que passem a desenvolver e fazer foguetes, naves, estações, no Brasil, da mesma maneira que hoje fabricam aviões?
Lucas – Olha, eu acho que o Brasil tem que procurar sua aptidão junto ao espaço. Impossível querermos abraçar todas as frentes ao mesmo tempo, e em um mundo cada vez mais globalizado, devemos nos beneficiar de tecnologias que temos diferenciais. Se lançador espacial já é fabricado por muitos outros países e não temos mais possibilidade de nos tornarmos competitivos, melhor usarmos o serviço de outro país. Com várias opções no mercado, o discurso da necessidade de termos todas as tecnologias desenvolvidas por soberania acaba se tornando obsoleto. Se um país não quer vender determinado serviço, vamos no vizinho e compramos dele.
Só para exemplificar essa aptidão que falei, para mim é claro que o uso de satélites para melhoria na agricultura deveria ser uma tecnologia priorizada pelo nosso país, já que somos referências mundiais nesse setor e poderíamos agregar nosso conhecimento para melhorar os processos já existentes com uso de satélites. Devemos focar em iniciativas que produzam modelos de negócios rentáveis, é disso que o NewSpace se trata.
É possível se recuperar do trauma de Alcântara, o que deve ser feito?
Lucas – Alcântara foi um episódio terrível, uma lástima. Mas todos os países que se aventuraram pelo setor espacial tiveram suas perdas humanas, e o Brasil é o único que conheço que usou do episódio como motivo de enterrar de vez nosso programa espacial. Alcântara, na minha opinião, deveria ter se tornado uma moeda de troca extremamente estratégica para o nosso país há muito tempo. Se não temos motivos comerciais para desenvolver nosso próprio lançador, que ganhemos dinheiro com o uso da nossa base que é tão bem localizada. Costumamos dividir as atividades do NewSpace em alguns verticais, e um deles é o uso de bases terrestres para apoio de atividades de lançamento. Temos a faca e o queijo na mão com Alcântara, atualmente a base mais bem localizada no mundo, uma pena que não seja utilizada.
De que maneira é possível ganhar dinheiro com a ida do homem ao espaço?
Lucas – Mais do que a ida do homem ao espaço, ganhamos dinheiro com diversas atividades que contemplam ou não os astronautas. Dentro dos verticais de atividades do NewSpace (8 no total), temos os lançadores espaciais, sistemas de constelações de satélites (que podem servir para observar a Terra, telecomunicação, previsão do tempo, e etc.), o turismo espacial, experimentos científico em ambientes de microgravidade (toda atividade comercial na ISS provém disso), serviços de manutenção no espaço (robôs para reabastecer satélites ou mesmo para coletar detritos espaciais), serviços de base terrester (como alcântara), exploração de recursos espaciais (como mineração em asteroides), e a busca por energia oriunda do espaço (ideias futurísticas de uso da energia solar no espaço, por exemplo). Qualquer uma das atividades desses verticais citados vão fazer parte da economia espacial no futuro, e levar o homem até o espaço só agrega mais na possibilidade de exploração de cada uma das atividades.
Como a iniciativa privada consegue realizar os projetos, como foi o caso da Falcon Heavy, gastando menos?
Lucas – A iniciativa privada parte da princípio da escassez, e por isso é forçada a executar a mesma atividade de órgãos públicos, mas de maneira mais enxuta. Como existe a necessidade do retorno financeiro para seus investidores, as empresas focam seus modelos de negócio na redução de custos, potencializando seus lucros. O órgãos governamentais não tem essa obrigatoriedade, apenas lutam para manter seus orçamentos.
Como justificar investimento no espaço diante de argumentos como a fome?
Lucas – O problema da fome no mundo é oriundo da política, não do investimento da tecnologia. Temos sempre que saber separar as coisas, o desenvolvimento tecnológico sempre foi o motor que impulsionou a humanidade para uma qualidade de vida melhor. O espaço, por todo desafio que apresenta, acaba se tornando um celeiro de novas tecnologias; e costumo a acreditar que tecnologias geradas em grandes desafios podem trazer soluções não apenas para fome no mundo, mas também para novos tratamentos médicos, melhorias gerais em nosso cotidiano, prevenções contra catástrofes naturais e etc.
A própria missão lunar que estamos propondo tem potencial de melhorar, futuramente, sistemas de plantio em regiões mais afetadas com a radiação solar, e quem sabe ajudar a reduzir a fome no mundo. A exploração do espaço entra no que chamamos de ciência básica, e essa necessidade da humanidade em entender diversos assuntos que não dominamos, nos vem permitindo evoluir desde as savanas africanas há 70 mil anos até o envio de sondas além do sistema solar nas últimas décadas. Acho que é claro os benefícios que novas tecnologias trouxeram desde nossa revolução cognitiva como parte da evolução da humanidade, então costumo dizer que para um país em crise devemos sempre priorizar o investimento em ciência e educação, não rivalizando com investimentos em outras áreas. Talvez a solução para diversas mazelas do mundo, esteja de fato no espaço.